Entrevista com os apóstolos
Era noite, e já estava chovendo. Subi as escadas daquele templo antigo, feito com pedras grandes, que tinha uma porta estreita à frente. Todos os apóstolos e alguns escritores eclesiásticos já estavam esperando em seus lugares, sentados em uma sala de reuniões grande e espaçosa, aguardando a chegada do entrevistador. Abri a porta. Não sabia se iria ser aceito, até que li uma mensagem na parte de cima da porta que dizia: “Todo o que o Pai me dá virá a mim, e o que vem a mim de modo nenhum o lançarei fora” (Jo.6:37). Entrando, me deparo com Pedro, Tiago, João e os demais apóstolos e evangelistas, incluindo Paulo. Entrei naquela sala e fui logo cumprimentando os apóstolos:
- Salve Maria!
Ao que Paulo me respondeu:
- Graça e paz da parte de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. (2Ts.1:2)
- Paulo, é uma honra estar falando com você. Como você sabe, precisamos de mediadores como você e os outros santos para chegarmos a Deus, então...
Nisso, ele me interrompe e diz:
- Porquanto há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus. (1Tm.2:5).
- Mas, Paulo, a Igreja Católica diz que...
- “Um só mediador...”! (1Tm.2:5)
- Ok, tudo bem. Como você sabe, nós, católicos, estamos guardando a tradição apostólica há dois mil anos. E essa tradição diz que há vários mediadores entre nós e Deus, e que a própria Maria é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, protetora, medianeira... (§ 969 do Catecismo Católico)
- Tende cuidado, para que ninguém o faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo. (Cl.2:8)
Nisso, o evangelista Mateus toma a palavra e diz:
- Por que transgredis o mandamento de Deus pela vossa tradição? (Mt.15:3)
Antes de me dar a chance de responder, entra alguém furioso pela porta. Seu nome era papa Gregório IX. Ele estava acompanhado de outros três senhores, e queria sentar na cadeira de Pedro, mas este não se levantou de seu lugar. Então, ele disse:
- Proibimos os leigos de possuírem o Velho e o Novo Testamento. Proibimos ainda mais severamente que estes livros sejam possuídos no vernáculo popular. As casas, os mais humildes lugares de esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de homens condenados por possuírem as Escrituras devem ser inteiramente destruídos. Tais homens devem ser perseguidos e caçados nas florestas e cavernas, e qualquer que os abrigar será severamente punido. (Concílio de Tolossa, 1229, Cânon 14:2)
Enquanto ele dizia isso, ouvi Paulo cochichando algo ao jovem Timóteo, que estava ao seu lado. Pelo o que pude entender, ele disse:
- Desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra. (2Tm.3:15-17).
Não pude entender o resto, porque aquele outro homem, que queria sentar na cadeira de Pedro, berrava. Mas pude ouvir a última parte, que dizia:
- ...Dedique-se à leitura pública da Escritura, à exortação e ao ensino. (1Tm.4:13).
O homem que gritava os ameaçou de excomunhão e com a fogueira da Inquisição. Mas Pedro respondeu:
- É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens! (At.5:29).
Irritado, um de seus companheiros, chamado Pio IX, disse:
- Sociedades bíblicas são pestes que devem ser destruídas através de todos os meios possíveis. (Encíclica “Quanta Cura”, Título IV)
E ele argumentou, dizendo:
- Nas regras que foram aprovadas pelos Padres designados pelo Concílio Tridentino, aprovadas por Pio IV e antepostas ao Índice dos livros proibidos, lê-se por sanção geral que não se deve permitir a leitura da Bíblia publicada em língua vulgar. (Encíclica Inter praecipuas)
Antes de irem embora, um terceiro senhor, chamado Leão XIII, os ameaçou, dizendo:
- Nós detemos nesta terra o lugar de Deus Todo-Poderoso. (Praeclara Gratulationis Publicae)
E um quarto homem, chamado Bonifácio VIII, que até então estava calado, disse:
- Além disso, nós declaramos e definimos que é absolutamente necessária para a salvação que toda criatura humana esteja sujeita ao Pontífice Romano. (Unam Sanctam)
Estes senhores, que se diziam bispos universais, foram embora. Constrangido, um homem que estava sentado à mesa, chamado Gregório Magno, disse:
- Agora eu digo com confiança que todo aquele que chama a si mesmo, ou deseja ser chamado, Papa Universal, é em sua exaltação o precursor do Anticristo, porque ele orgulhosamente se coloca acima de todos. E pelo orgulho ele é levado ao erro, pois como perverso deseja aparecer acima de todos os homens. (Carta a Maurícius Augustus)
- Mas Gregório, nós, católicos, aprendemos que o bispo de Roma é um papa universal, com poderes plenos, supremos e universais na Igreja. (§882 do Catecismo Católico).
- Se qualquer um na Igreja toma para si esse nome, pelo qual se faz a cabeça de todo o bem, segue-se que a Igreja universal cai do seu pedestal (o que não permita Deus) quando aquele que é chamado universal cai. Mas longe dos corações cristãos esteja esse nome de blasfêmia, no qual é tirada a honra de todos os sacerdotes, no momento em que é loucamente arrogado para si por um só. (Epístola XX a Maurício César)
- Nós aprendemos que o papa, que é o bispo de Roma, é o Sumo Pontífice dos cristãos. Como você ousa dizer o contrário?
Neste momento, um homem que não queria se identificar levanta a mão e toma a palavra:
- Temos um Sumo Pontífice, que está sentado à direita do trono da Majestade divina nos céus. (Hb.8:1)
- Quem é esse único Sumo Pontífice, a que você se refere?
- Um grande Sumo Sacerdote que penetrou nos céus, Jesus, Filho de Deus. (Hb.4:14).
- Isso não é justo. Pedro é a cabeça de todos os apóstolos (Catecismo Católico, P. 32.5). No colégio dos Doze, Simão Pedro ocupa o primeiro lugar (§552 do Catecismo Católico).
Nisso, começou uma discussão entre os discípulos, acerca de qual deles era o maior (Lc.22:24). Um advogado chamado Tértulo, tomando a palavra, apontou para Paulo e disse:
- Ele é o chefe da seita dos nazarenos! (At.24:5)
Paulo não confirmou, mas disse:
- Em nada fui inferior aos mais excelentes apóstolos. (2Co.11:5)
Antes que a discussão se prolongasse, Marcos se lembrou das palavras do Mestre e as registrou diante de todos, dizendo:
- Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. (Mc.10:42)
Eu não concordei com o que disse Marcos, e corrigi o autor daquela declaração:
- Isso é impossível, a Igreja de Roma diz que é Pedro! Pedro, fala pra eles que você é o mais importante!
Pedro, então, tomou a palavra e disse:
- Eu também sou presbítero como eles. (1Pe.5:1)
- É claro que você não é um simples presbítero como todos os demais. Você é a única coluna da Igreja, é a pedra sobre a qual a Igreja está edificada.
Paulo balançava a cabeça em sinal negativo.
- Como é, Paulo, vai dizer que não?
- Tiago, Pedro e João são tidos por colunas. (Gl.2:9)
- Quer dizer que Pedro não é a única coluna e nem a primeira? Não é justo, Pedro é a pedra e ponto final!
O próprio Pedro tomou a palavra e disse:
- Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual se tornou a pedra angular. (At.4:11).
- Pedro, não diga bobagens. Você está indo contra a tradição.
- Para os que creem, esta pedra é preciosa; mas para os que não creem, a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra principal. (1Pe.2:7)
- Como intercessor católico no Céu, junto aos outros santos como Abraão e Davi, você deveria ter mais conhecimento da tradição.
- Davi não subiu aos céus. (At.2:34)
- E Abraão?
Um homem chamado Isaías respondeu:
- Abraão não nos conhece. (Is.63:16).
- É claro que conhece, ele está no Céu intercedendo por nós. É o que diz a tradição. O problema de vocês é que vocês se baseiam somente na Bíblia.
Alguém chamado Cirilo, que veio de Jerusalém para aquela reunião, se apresentou e disse:
- Com respeito aos mistérios divinos e salvadores da fé, nenhuma doutrina, mesmo trivial, pode ser ensinada sem o apoio das Escrituras divinas, pois a nossa fé salvadora deriva a sua força, não de raciocínios caprichosos, mas daquilo que pode ser provado a partir da Bíblia. (Cirilo, Das Divinas Escrituras)
Outro homem, que não me recordo bem o nome, mas me parece que veio de Cartago para aquela reunião, acrescentou:
- Que orgulho e que presunção é igualar tradições humanas às ordenanças divinas! (Epístola 71)
Ah, sim, seu nome era Cipriano. Pouco antes de entrar naquela sala, ele chamou um certo Estêvão, bispo de Roma, de “amigo de hereges e inimigo dos cristãos” (Ep.74). Antes que eu pudesse me defender, alguém chamado Jerônimo me disse:
- Se você quer clarificar as coisas em dúvida, ide à lei e ao testemunho da Escritura; fora dali estais na noite do erro. Nós admitimos tudo o que está escrito, e rejeitamos tudo o que não está. As coisas que se inventam sob o nome de tradição apostólica sem a autoridade da Escritura são feridas pela espada de Deus. (In Isaiam, VII; In Agg., I)
Já era tarde, e eu tinha que voltar para casa. Antes, porém, decidi me prostrar diante de Pedro, assim como todos os de minha religião fazem com os papas. Ele, porém, me fez levantar, dizendo:
- Levante-se, eu sou homem como você! (At.10:26)
Levantei-me e fui embora. Me agarrei a uma imagem de algum santo que trazia comigo. Antes de passar pela porta, o homem chamado Isaías me deu uma última palavra, dizendo que vinha de Deus para mim:
- Eu sou o Senhor; esse é o meu nome! Não darei a outro a minha glória nem a imagens o meu louvor. (Is.42:8)
Saí daquele lugar, onde não me sentia bem. Procurei um local onde me sentisse mais em casa, até que vi uma Paróquia Nossa Senhora de Alguma Coisa. Entrei por uma porta larga. Ali não precisava usar Bíblia, bastava um folheto da missa. Falava-se uma língua estranha, que diziam que era latim, ninguém entendia nada. Apenas repetíamos tudo o que o padre falava, e, quando rezávamos, usávamos de vãs repetições. Depois da missa, saí por aquela mesma porta larga e espaçosa, símbolo da minha escravidão ao papa.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)
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Hahaha show de bola ^^
ResponderExcluirParabéns Lucas de onde tirou essa?
Ótimos argumentos e refutações!
Deus o abençoe muito.
Valeu, Rafael! A ideia de uma "Entrevista com os Apóstolos" é do meu amigo Alon (que fez o comentário abaixo), que há alguns anos atrás costumava fazer entrevistas assim nas comunidades do Orkut em que a gente debatia, e ontem eu acordei com a ideia de fazer minha própria "entrevista", fico feliz por ter gostado, abraços!
ExcluirLucas, dificil não ficar emocionado com a leitura da sua entrevista. Fenomenal e brilhante!
ResponderExcluirParabens pela maneira com que conduziu o dialogo. Nota 1000 pra voce
Abraços
Muito obrigado, Alon, mas quem merece mesmo nota 1000 é você, que teve a ideia brilhante de fazer diálogos assim na época que a gente debatia no Orkut, portanto eu aprendi com o melhor :)
ExcluirBons tempos que não voltam mais
ExcluirSensacional amado Lucas,adorei como adoro tudo que voce escreve meu irmão, a paz de Cristo.
ResponderExcluirMuito obrigado, irmão Marcos Antonio, que Deus lhe abençoe!
ExcluirAbsolutamente genial meu caro Lucas, um sucesso como afirmei que seria, a paz de Cristo.
ResponderExcluirAss Eremilson
Valeu, Eremilson, abraços!
ExcluirLucas, mas esse texto é seu????????
ResponderExcluirSim.
Excluirparabéns ficou excelente
ResponderExcluirObrigado :)
ExcluirOlá Lucas, excelente texto parabéns!
ResponderExcluirPor gentileza, me ajude numa dúvida q surgiu... Qdo cita a passagem que Davi não subiu ao céu, se refere a salvação ou é uma comparação a Jesus (que ele não ressuscitou como Jesus)? Grato desde já. Deus continue te abençoando sempre.
Olá, eu entendo da forma mais simples, do jeito que o texto diz: que Davi não subiu ao céu, ele não está lá. O resto é "interpretação", tentativas de enxertar uma nova ideia para dentro do texto bíblico, e não simplesmente extrair do texto o que ele diz de fato. Abs!
ExcluirObrigado por responder. Entendi seu ponto de vista, só não concordo muito com a parte... " O resto é "interpretação", tentativas de enxertar uma nova ideia para dentro do texto bíblico, e não simplesmente extrair do texto o que ele diz de fato". Pq minha pergunta foi feita a partir de uma dúvida que surgiu ao ler somente o versículo em questão. E na minha opinião por tudo que se tem sobre Davi(homem segundo o coração de Deus) e a forma como era sua vida com Deus o versículo cabe "interpretação". Olhando unicamente para Tiago 5:19-20 eu poderia afirmar que posso converter o pecador, salvar da morte e cobrir multidão de pecados. Mas sabemos que seria uma grande heresia se o fizesse.
ResponderExcluirPs: Embora discorde nessa questão continuo aprendendo muito com suas postagens. Deus o abençoe sempre.
Eu também creio que Davi foi um homem justo e não foi pro "inferno", não foi isso que eu quis dizer quando afirmei (de acordo com o texto bíblico) que ele não subiu ao céu, isso não implica que ele esteja no inferno (o que confronta o ensino bíblico de que Davi foi um homme justo). Isso só implica que ele não está no céu (o que confronta o ensino imortalista tradicional), podendo estar na sepultura (conforme os mortalistas creem), ou em outro lugar como o Hades (como alguns imortalistas assumem). O texto deixa essa questão em aberto, embora sugira a primeira (v.29), que é como eu entendo.
ExcluirAbs.
Ahhh sim. Agora entendi de verdade! Rsrs
ExcluirObrigado mais uma vez. Abs