Quanto custa a liberdade?


O ataque mais comum e rotineiro dos tridentinos contra os evangélicos é baseado no “argumento da divisão”. Basicamente, ele funciona da seguinte maneira:

Os católicos são unidos.
Os evangélicos são divididos.
Portanto, os católicos estão com a verdade.

Este argumento notavelmente fracassado já foi refutado por mim diversas vezes, em especial nestes artigos:






A verdade é que nem os evangélicos são tão “divididos” assim, nem os católicos são tão “unidos” assim. Se alguém é o rei da divisão, este é o catolicismo, que se dividiu com a ortodoxia em 1054 d.C, e até hoje se divide cada vez mais em movimentos internos contraditórios entre si, dentre os quais destacamos a teologia da libertação, a renovação carismática, os “veterocatólicos”, os sedevacantistas, os tradicionalistas, os modernistas e por aí vai. É um verdadeiro campo de guerra, deles contra eles mesmos. Se a unidade é o que faz com que uma igreja seja proclamada verdadeira, então eu seria qualquer coisa, menos católico romano.

Há algum tempo atrás eu estive debatendo com um católico, que praticamente tinha como único argumento o da “divisão”. Basicamente, ele acreditava que a igreja dele era a “verdadeira” porque eles são “unos”. Então eu mostrei a ele que os kardecistas (que também se dizem “cristãos”) são muito mais unidos do que os católicos. Não existe “kardecista renovado” e “kardecista tradicionalista”, assim como não há “kardecista modernista” e “kardecista sedevacantista”. Os kardecistas são apenas uma coisa: kardecistas. Quando ele percebeu isso ficou sem argumentos, pois percebeu que seu único argumento era algo que não provava nada a ninguém. De nada adianta haver unidade, se não há verdade. A unidade desligada da verdade nada mais é do que heresia, pura e simplesmente. O católico teria primeiro que provar que está com a verdade, para só depois provar que há a unidade. Começar pela unidade para terminar na verdade é uma falácia, uma petição de princípio, que só convence mentes pobres e néscias.

Não obstante, é inegável que os evangélicos também possuem certas divergências doutrinárias entre si. Nenhum de nós nega isso. Se é verdade que os tridentinos estão frequentemente ajuntando factóides convenientemente exagerados para alcançar o impacto máximo, passando a ideia de que as mais diversas denominações protestantes estão travando uma "guerra" entre si (o que é um quadro totalmente distante da realidade), por outro lado é fato que existem igrejas que ensinam certas doutrinas contrárias ao que pensam outras igrejas, tal como, por exemplo, as igrejas que seguem a linha calvinista diante daquelas que seguem a linha arminiana, ou as que batizam bebês diante daquelas que não batizam. Ao chegarmos a este ponto, uma pergunta deve ser feita:

Por que isso ocorre?

A minha resposta para essa pergunta pode ser sumariada em uma só palavra: liberdade. As pessoas em geral, independentemente da religião que professa, estão sempre lutando pela liberdade, mas se esquecem de que a liberdade sempre traz suas consequencias. É impossível alguém ser livre sem assumir as consequencias desta liberdade, e a consequencia principal da liberdade é a pluralidade. Alguém que insiste em abolir a pluralidade sempre incorrerá, necessariamente, em um rigoroso sistema que em nada se distingue daquilo que conhecemos como ditadura, e isso porque a pluralidade é meramente uma expressão que flui naturalmente da liberdade. Atacar a pluralidade é, por conseguinte, atacar a liberdade que a permite existir. E atacar a liberdade, por sua vez, implica em conviver sob um autoritarismo ditatorial que mais cedo ou mais tarde incorrerá em rebeliões.

Para tornar este conceito mais claro, pense em um presidente que decida, do dia para a noite, prender todos os cidadãos do seu país, colocando-os todos em cadeias permanentemente, para ali serem alimentados e providos pelo Estado. Você pode pensar que isto é uma aberração que beira a filmes de ficção científica – e eu concordo –, mas você não pode negar que esta restrição à liberdade traz algumas consequencias consideradas positivas. Deste jeito, nunca mais haverá naquele país assassinatos, nem estupros, nem pedofilia, nem torturas, nem tráfico de drogas, nem roubos, nem coisa alguma que possa ser considerada um crime. Ninguém poderá fazer nada disso, pois todos estarão encerrados em uma jaula. Aquelas pessoas que seriam estupradas não serão mais, aquelas que seriam assassinadas não serão mais, aquelas que seriam torturadas não serão mais, e assim por diante.

Mesmo assim, você aceitaria viver em um país desses? Um país que corta pela raiz qualquer consequencia da liberdade, simplesmente obstruindo a própria liberdade? Certamente que não. Você com certeza iria preferir viver em um país livre, mesmo suportando as consequencias desta liberdade. Isso porque a liberdade nunca pode ser colocada em xeque por causa das suas consequencias. Ainda que esta liberdade permita que, ao serem todos soltos, os crimes voltem a acontecer, é preferível isso à restrição da liberdade, que é na prática escravidão e submissão. Em outras palavras, quando colocados lado a lado a liberdade versus as consequencias da liberdade, você prefere optar pela liberdade em si, do que pelo mundo que cercea a liberdade para evitar suas consequencias.

Se este exemplo ainda não é suficiente, pensemos em um outro ainda mais prático: Coreia do Norte. Em meu livro "Deus é um Delírio?", eu dedico algumas páginas para abordar no que este país se tornou após adotar o comunismo. Basicamente, ninguém pode manifestar opinião nenhuma que contrarie o Estado (atualmente liderado pelo Líder Supremo Kim Jong-un). O absolutismo ali presente é tão grande que existe até o dia em que é proibido dar risada. Sim, isso mesmo. Não ria. Principalmente se você for norte-coreano e se estiver lendo isso em 9 de julho, dia em que é oficialmente proibido sorrir no país. O motivo é que neste dia morreu Kim II-sung, o avô de Kim Jong-un. O decreto existe desde 1994 e proíbe sorrir, levantar voz na rua, beber álcool e dançar. É luto. Neste dia, a rede de televisão (estatal, obviamente) fica o dia todo transmitindo a cerimônia do presidente morto (tomara que a moda não pegue por aqui, ou que Lula morra num ano bissexto, em 29 de fevereiro).

Mas para que ninguém pense que o ditador norte-coreano é mau político, saiba que ele conseguiu aquilo que nenhum político ocidental conseguiu em toda a carreira. Ele conseguiu aquilo que todos os políticos sonham, mas nenhum deles chegou lá. Ele conseguiu aquilo que nem Abraham Lincoln, Juscelino Kubitschek e Nelson Mandela conseguiram. Sim, ele conseguiu 100% dos votos válidos, e sem abstenção. Fantástico, não? Tragicamente, a Veja nos informa que “o truque que lhe garante a eleição perfeita é simples: em cada uma das quase 700 circunscrições do país havia apenas um candidato, ele mesmo. Os eleitores podem optar apenas entre 'sim' e 'não', com a ressalva de que escolher o 'não' ou abrir mão de votar pode ser considerado um perigoso ato de traição – obviamente, as cabines de votação não são privadas”[1]. Assim perde a graça!

E isso não é tudo. Kim Jong-un proibiu que os norte-coreanos dessem aos seus filhos o mesmo nome dele, e obrigou as pessoas que já se chamam Kim Jong-un a mudarem seus documentos. Eu devo imaginar que o nome Kim Jong-un deve ser super pop e descolado na Coreia do Norte. Deve ter sido muito sofrido para aquelas pessoas mudar de nome. O documento norte-coreano diz que “todos os órgãos do partido e autoridades de segurança pública devem fazer uma lista de moradores chamados Kim Jong-un e orientá-los a voluntariamente mudar de nome”[2].

“Voluntariamente”, é claro. Que ninguém pense que é por violência. Mas eu sugiro que, se você for um norte-coreano (não vai ser, é claro, pois na Coreia do Norte é proibido o acesso à internet e ao mundo externo), que não ouse desafiar o Estado e não mudar de nome caso você tenha tido o azar de se chamar Kim Jong-un. #FicaDica.

Um exemplo de como essa dica é uma boa dica é que na morte do Líder Supremo Kim Jong-il, em 2011, os norte-coreanos que não participaram das homenagens ou que não foram suficientemente convincentes na demonstração de tristeza foram enviados a campos de trabalho forçado por pelo menos seis meses. Sim, acredite. “As autoridades imporam uma pena de pelo menos seis meses em campos de trabalho pra qualquer um que não tenha participado das concentrações organizadas durante o período de luto ou para quem participou mas não chorou ou não pareceu autêntico”[3].

Não é a toa que o mundo assistiu a uma histeria coletiva de milhões de norte-coreanos chorando compulsivamente pela morte do ditador tirano que mergulhou o país no maior episódio de fome da sua história. Vejam só que convincentes:


O que podemos aprender com o exemplo da Coreia do Norte?

Em primeiro lugar, que o conceito de unidade à maneira católica é um delírio. Na Coreia do Norte, todo mundo concorda com o ditador. Se o ditador diz para não chorar, ninguém chora. Se o ditador diz para as pessoas que tem o mesmo nome dele trocarem de nome, elas trocam. Se o ditador diz que é proibido sorrir, ninguém vai sorrir e pronto. Há uma unanimidade rigorosa. Há um unidade inflexível. Mas essa unidade dos sonhos dos católicos só existe porque aquele país é uma verdadeira e cruel ditadura. Em qualquer outro país que seja livre, este tipo de “unidade” é uma ilusão, um delírio. Na irmã sul-coreana, ninguém precisa concordar com o presidente. Ninguém precisa compactuar com o sistema político dali. Ninguém precisa balançar a cabeça positivamente, como vaquinha de presérpio, e repetindo como um papagaio tudo o que ele diz. Há liberdade, e desta liberdade flui a pluralidade de opiniões.

O sistema católico-romano é todo ele à imagem dos dois exemplos citados, da prisão e da Coreia do Norte, e o papa é mundialmente reconhecido como um líder absolutista. Os fieis romanistas não tem outra opção a não ser concordar com o papa. Antes da assunção de Maria ser um dogma, os fieis católicos podiam acreditar que Maria não havia sido assunta aos céus. Mas depois que o papa Pio XII, em 1 de novembro de 1950, decretou oficialmente que Maria foi assunta aos céus, os leigos passaram a não ter outra opção exceto balançar a cabeça positivamente em sinal de concordância. A liberdade de pensamento é cortada pela raiz, sobrando apenas uma submissão incondicional ao líder supremo, o “papa infalível”. O que ele diz, está dito. O que ele proclama, está proclamado. Aos católicos, cabe o papel de concordar, e não de refletir sobre a validade desta proclamação. Discordar do papa é como discordar de Kim Jong-un. Há unidade, mas às custas da liberdade.

Os evangélicos entendem que a unidade nas questões centrais e essenciais à salvação é importante, mas não às custas da liberdade. A liberdade gera pluralidade, porque ninguém está sob a escravidão a um líder supremo absolutista, e ninguém é reduzido ao papel de papagaio de outrem. No protestantismo há liberdade para pensar por si mesmo, para examinar as Escrituras, para chegar às suas próprias conclusões, para ter vida e personalidade própria, para seguir o caminho que você entende ser a verdade, através de sua consciência individual. No protestantismo, você é livre. No catolicismo, você é um escravo. Dentro da liberdade, flui a pluralidade. Dentro da escravidão, flui a submissão.

Isso também ajuda a explicar o porquê que a Igreja Romana esteve quase sempre ligada a governos absolutistas, como o fascismo de Mussolini, na Itália. E também o porquê que o conceito moderno de liberdade é decorrente direto do protestantismo, tendo os Estados Unidos protestante como o mais elevado modelo. Um grupo tem fixo na cabeça um modelo que exclui a liberdade de antemão, ao passo em que o outro defende a liberdade, mesmo em vista das suas consequencias (pluralidade). No fim das contas, toda essa questão se resume a uma pergunta: Quanto custa a liberdade? Para os evangélicos, a liberdade não é negociável. Para os católicos, qualquer pluralidade é o suficiente para colocá-la em xeque.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)


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Comentários

  1. Lucas, faz um artigo sobre exorcismos.

    Vou recomendar 2 vídeos para dar uma ideia do que estou sugerindo:

    https://www.youtube.com/watch?v=WLZgKMuILTw

    Meu irmão, após tanto sufoco é dito ( 9:39): "Uma única pessoa não sofreu nenhum tipo de tormento com os espíritos malignos, era um pastor."

    Essa vai deixar o Macabeus babando de ódio . Rs.

    https://www.youtube.com/watch?v=AxjtYcSzcrw

    Olha a dificuldade que os católicos enfrentam para expulsar os demônios.

    Enfim, acho que seria bem interessante escrever sobre isso.

    Shalom. = )

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    1. Olá, a paz.

      Sua mensagem me lembrou o caso do padre Pio, que apanhava do demônio (hahahaha).

      Vou escrever sim algo sobre isso nas próximas semanas. Obrigado pela recomendação.

      Shalom :)

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    2. Lucas, saiu algo sobre exorcismos no uol: http://tab.uol.com.br/exorcismo/

      Abraços.

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  2. Lucas, aproveita e fala também de outros supostos santos que costumavam apanhar do Diabo e as portas do inferno prevaleceram contra eles.

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    1. Seguramente...

      Para eles essa igreja contra a qual "as portas do inferno não prevalecem" é a mesma que matou milhões no passado, que enganou os trouxas vendendo indulgências e falsas relíquias, que torturou e perseguiu multidões e que tem padres que apanham do capeta. É pra rir ou é pra chorar?

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  3. Policiais fazendo exorcismo e o santo padre apanhava dos demônios. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  4. Lucas,

    Os católicos geralmente fazem analogia dos seus santos apanhando do capiroto com a passagem em que Paulo diz que foi enviado um mensageiro de satanás para lhe esbofetear, o famoso espinho na carne (2 Cor. 12:7b). Mas com que exejegue e artifício hermenêutico eles podem achar que Paulo estava levando uma pisa do demônio? Se assim fosse a Bíblia estaria se contradizendo pois em 1 João 5: 18, está escrito:

    "Ora, sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não é escravo do pecado; antes, Aquele que nasceu de Deus o protege, e não permite que o Maligno o possa tocar."

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    1. O espinho na carne de Paulo era, com toda a probabilidade, a sua doença nos olhos da qual tanto falava, não sei de onde foi que eles tiraram que era ele "apanhando do diabo". Você disse muito bem: quem é de Deus, não é tocado pelo maligno. Muito menos surrado.

      Abraços!

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