Inquisição: A pena dos açoites
Como se não bastasse a perda
total dos bens, os prisioneiros da Inquisição que não eram assassinados tinham frequentemente
que levar uma grande quantidade abusiva de açoites para expiar seu “crime”.
Estes açoites eram considerados parte da “penitência eclesiástica”, que não
tinha nada de puramente espiritual. Eymerich faz menção em seu manual ao
Concílio de Béziers, que prescrevia:
Todos os domingos e festas, entre a
Epístola e o Evangelho, os condenados dirigir-se-ão descalços, vestidos
unicamente com a roupa de penitência, e com varas na mão, até o celebrante, que
os chicoteará, perguntando-lhes, depois, que crime estão expiando.[1]
Mostrando toda a sua face
piedosa e misericordiosa, a Igreja castigava suas vítimas com “apenas” duzentos
açoites. Foi assim que o protestante britânico Isaac Martin foi castigado,
levando 200 chibatadas em público[2]. Às
vezes, eram 400 açoites. Apenas para efeito de comparação, Nosso Senhor Jesus
Cristo levou 39 açoites em sua crucificação. Sim, a Igreja Romana conseguia ser
muito mais selvagem e desumana do que o próprio antigo Império Romano, bastante
conhecido por sua crueldade. Nem os muçulmanos radicais xiitas costumam
castigar alguém com tantos açoites. O mais grave de tudo é que a punição
covarde das 200 chibatadas não era algo raro ou excepcional. Muito pelo
contrário, chegava a ser uma punição-padrão para os penitenciados no auto da
fé.
Ricardo Palma, que, como já
mencionado, foi o autor da maior pesquisa já realizada nos arquivos da
Inquisição de Lima, no Peru, detalha diversas vezes em seu livro este tipo de
castigo sendo infligido às vítimas da Igreja. Por exemplo, o auto da fé de 13
de abril de 1578 puniu com 200 açoites Diego Marrón, simplesmente por intimidar
certas testemunhas que depunham contra um compadre seu[3].
Já o auto da fé de 13 de abril de 1578 castigou o escrivão Pedro Hernández com
os mesmos 200 açoites, pelo crime de “pacto com o demônio”. Além disso, ele foi
desterrado para as Índias[4].
Palma conta ainda sobre a
condenação do alfaiate Pedro Bermejo, que ocorrera no auto da fé de 13 de abril
de 1578:
Pedro Bermejo, alfaiate, afirmava que a caridade era menor do que a
fé, e que São Paulo podia ter errado porque foi homem. Como castigo por essas
afirmações, e em lugar de lhe ser dito: “Alfaiate, volta à tua agulha e aos
teus pontos”, foi condenado a duzentos açoites, abjuração de vehementi e a ter a cidade por cárcere
durante seus anos, como castigo de ser impenitente relapso.[5]
No auto da fé de 13 de
abril de 1578, o frei Gaspar de la Huerta foi condenado aos mesmos 200 açoites
por ter feito missa sem ser sacerdote. Como se não bastasse, foi enviado às
galés a remo e sem soldo, para sofrer por mais cinco anos[6]. Ana de Castañeda, por ter
proferido “obscenidades e bruxarias”, padeceu 200 açoites no auto da fé de 17
de junho de 1612[7].
Já o senhores Alfonso de Medina e Benito de la Peña, acusados de bigamia, foram
castigados com 200 açoites no auto da fé de 20 de dezembro de 1694[8]. A Inquisição de Lima
chegou ao ponto de condenar aos 200 açoites José Rivera, apenas por ter servido
de testemunha num segundo casamento
de um amigo[9].
A mesma punição foi dada a Antônio Cataño, pelo mesmo pecado[10].
Pela suspeita de
feitiçaria, Antônia Osório foi castigada com 200 açoites no auto da fé de 23 de
dezembro de 1736. A Inquisição, ainda insatisfeita com esta pena, decidiu que
ela deveria ser humilhada em público, fazendo-a percorrer a cidade em
lombo-de-burro, despida da cintura para cima, enquanto suportava os duzentos
açoites[11]. A escrava Maria Tereza
de Malavia sofreu a mesma pena que a anterior. Palma comenta que, “graças à Inquisição, não se encontra hoje uma bruxa nem
para dor de dentes na capital do Peru, tão fecunda em feitiçarias há um século
e meio”[12].
Juan de la Cerda, pelo
mesmo crime de bigamia, sofreu os 200 açoites no auto da fé de 23 de dezembro
de 1736, e ainda teve que ficar cinco anos preso em Valdívia, no Chile[13]. Juan Batista Gomes, por
ter se casado três vezes, foi castigado com os 200 açoites e com mais seis anos
na prisão de Valdívia[14]. Ana Maria Pérez, por se
achar profetiza, foi punida com 200 açoites e outros cinco anos de prisão[15]. José Nicolás Michel, um
bruxo tão poderoso que “transformava em negras as pessoas brancas”, padeceu
200 açoites em via pública e ainda passou mais seis anos na prisão[16].
Por ter se divorciado
e se casado outra vez, Maria Atanásia sofreu 200 açoites pela Inquisição, além
de ser desterrada de Lima por cinco anos[17]. Outra mulher, Maria
Fuentes, “teve a sorte de que três homens alegassem
ao mesmo tempo o direito de propriedade sobre ela, e a desgraça de que a
Inquisição reclamasse diretos nesse negócio”[18].
Foi condenada a 200 açoites e a três anos de prisão[19]. Juan Antônio Pereira,
por judaizante, foi condenado às 200 chibatadas e a mais dez anos no presídio
de Valdívia[20].
Por negar a
transubstanciação, Juan Fuller teve que abjurar e levar 100 açoites[21]. Já o francês Juan de
Marselha acusou todos os clérigos de viver amancebados, e que, se o metessem na
Inquisição, diria aos inquisidores um par de verdades! Por essa insolência
sofreu 100 açoites[22]. Em 1563, Gregorio
Ardid, de Múrcia, foi condenado à escravidão nas galés por seis anos e a mais
100 chibatadas por quebrar o sigilo da Inquisição, e pelo mesmo crime Cristóbal
de Arnedo recebeu 200 açoites e foi enviado às galés por oito anos[23].
Palma explica que os
penitenciados saíam pelas ruas, em estado de humilhação, para receber, no
mínimo, meia centena de chicotadas[24], embora a maioria levasse
100 ou 200. Em 1587, o cirurgião Damián Acen Dobber foi castigado pela
Inquisição com nada a menos que 400
açoites por supostamente ter feito uma oração muçulmana, embora nem isso
fosse provado[25].
É preciso ser um demônio para castigar um ser humano com 400 açoites. Os
terroristas do ISIS passam longe de tamanha crueldade.
Mas nem com isso os
inquisidores sedentos de sangue estavam satisfeitos. A respeito do herege que
não abjurasse, Eymerich diz que “será surrado até a morte como um herege impenitente”[26].
Ou seja, o indivíduo levava indefinidas chicotadas atrás de chicotadas, até que,
depois de tanta brutalidade, perdesse os sentidos e morresse. Era essa a moral
da Igreja Católica.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
- Extraído do meu livro: "A Lenda Branca da Inquisição".
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)
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[1] EYMERICH,
Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos
Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 166.
[2]
NAZÁRIO, Luiz. Diversão e Terror: Dos
autos-de-fé ao cinema nazista. In: Ensaios
sobre a intolerância: inquisição, marranismo e anti-semitismo (ed.
GORENSTEIN, Lina; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci), 2ª ed. São Paulo: Associação
Editorial Humanitas, 2005, p. 383.
[3] PALMA, Ricardo.
Anais da Inquisição de Lima. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 21.
[4]
ibid, p. 22.
[5]
ibid.
[6]
ibid.
[7]
ibid, p. 30.
[8]
ibid, p. 50.
[9]
ibid.
[10]
ibid.
[11]
ibid, p. 66.
[12]
ibid.
[13]
ibid, p. 68.
[14]
ibid.
[15]
ibid, p. 76.
[16]
ibid, p. 79-80.
[17]
ibid, p. 80.
[18]
ibid.
[19]
ibid.
[20]
ibid, p. 82-83.
[21]
ibid, p. 42.
[22]
ibid.
[23] GREEN,
Toby. Inquisição: O Reinado do Medo.
Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007.
[24] PALMA,
Ricardo. Anais da Inquisição de Lima.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 140-141.
[25] GREEN,
Toby. Inquisição: O Reinado do Medo.
Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007.
[26] EYMERICH,
Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos
Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 56.
Olá Lucas, desculpe se minha pergunta não tem nada a ver com o artigo, mas de qual é a Igreja que você congrega?
ResponderExcluirPor você ser um apologista estudado, você concorda com tudo o que sua denominação crê? Ou você têm as suas crenças e vai à Igreja somente para orar?
Tive essa curiosidade mas não consegui encontrar no seu blog, por isso estou perguntando.
Olá, eu congrego na Comunidade Alcance (Curitiba/PR), do pastor Luciano Subirá, mas tenho uma visão teológica independente, embora concorde em grande parte com as doutrinas da igreja. Você pode descobrir mais sobre a igreja aqui:
Excluirhttps://www.youtube.com/channel/UCczPEsycoDKpG9ImCAnZSmg/videos
Ah sim, legal! :)
ExcluirÉ interessante uma pessoa tão 'independente teologicamente' congregar em uma denominação. Digo isso porque é difícil achar alguma que esteja de acordo com o que nós cremos e entendemos a respeito da bíblia.
Por falar nisso, você bem que podia criar uma denominação própria. Nunca pensou nisso não? rs
Não pretendo criar uma nova igreja, acho que já existem demais :)
ExcluirEu não sou como outras pessoas que exigem 100% de concordância em todos os aspectos da teologia para congregarem em algum lugar. Se eu fosse assim, certamente teria que abrir uma nova igreja... mas entendo o conceito bíblico de unidade nas coisas essenciais, e tolerância nas coisas secundárias. Desde que uma igreja não ensine uma doutrina que desvie de Cristo a ponto de poder perder a salvação, eu não tenho problema nenhum em congregar ali, mesmo não concordando com tudo. Eu congregaria tranquilamente em qualquer igreja tradicional ou pentecostal.
Mentira, a Assembleia de Deus não me aceitaria por causa do meu cabelo :)
A sua igreja é imortalista?
ExcluirMinha igreja não tem uma "lista oficial de doutrinas" exceto os pontos mais fundamentais (que não incluem imortalidade ou mortalidade da alma), mas meu pastor é imortalista sim, e pré-tribulacionista também. São os dois pontos em que eu discordo dele e sobre os quais debati com ele quando tinha 17 anos.
ExcluirLucas Banzoli, você poderia falar também da inquisição protestante.Gostaria de saber a sua opinião sobre o assunto.
ResponderExcluirDesde já obrigado!
A "Inquisição Protestante" é um mito criado há poucos anos pelo apologista católico americano Dave Armstrong, que os apologistas católicos brasileiros copiaram e reproduziram em seus blogs. Ela não existe absolutamente NENHUM livro de história, seja de história geral ou eclesiástica, seja por historiadores católicos ou protestantes, ou de qualquer outra vertente religiosa que seja. Só quem fala em "Inquisição Protestante" é gente ignorante cuja única fonte de informação são os blogs que qualquer um pode criar e escrever a bobagem que quiser, mas nas universidades ninguém sequer cogita uma idiotice desse tamanho. Fale lá sobre "Inquisição Protestante" a um prof. doutor, que vão rir da sua cara.
ExcluirO que os católicos chamam de "Inquisição" protestante nada mais é do que algumas perseguições esporádicas que ocorreram em alguns países protestantes, junto a outros casos inventados ou tirados do contexto. Nenhuma dessas perseguições foi uma "Inquisição". Inquisição é o nome dado a um TRIBUNAL ECLESIÁSTICO que julga a heresia como crime, e nunca os protestantes tiveram qualquer tipo de tribunal eclesiástico para julgar heresias. Você nunca vai encontrar nenhum "inquisidor" protestante, nenhum "Manual dos Inquisidores" protestantes, nenhum tribunal eclesiástico que julgasse os não-protestantes, nenhum "auto da fé" protestante, etc.
Eu ainda vou escrever sobre a "Inquisição Protestante" em um apêndice do meu livro sobre a Inquisição, onde farei ali uma abordagem bem completa e abrangente sobre o tema. Por enquanto há apenas um artigo resumido onde eu refuto aquele que é o episódio mais citado pelos católicos em favor da existência da suposta "Inquisição Protestante":
http://heresiascatolicas.blogspot.in/2015/12/a-terrivel-monstruosa-e-abominavel.html
O Elisson Freire também tem um artigo dele sobre isso, mas infelizmente o site dele saiu do ar, não sei por que motivo.
Abs!
Lucas se Santo Atanásio não era católico romano o que ele quis dizer com seguinte frase: "Ainda que os católicos fiéis à Tradição se reduzam a um punhado, são eles a verdadeira Igreja de Jesus Cristo".
ResponderExcluirQue tradição é essa? Mas ele não defendia o sola scriptura?
Abraços
Primeiro: citação sem referência tem peso e credibilidade zero.
ExcluirSegundo: se Atanásio disse mesmo isso, o que não é nada impossível, deve ser entendido sob a perspectiva que todos os Pais da Igreja, incluindo ele próprio, tinham sobre o significado de "tradição apostólica", que na época não tinha NADA a ver com o que os romanistas chamam de "tradição" hoje. Eu fiz um estudo aprofundado sobre o conceito de tradição nos escritos patrísticos que você pode conferir aqui:
http://lucasbanzoli.no.comunidades.net/tradicao-apostolica
Ele é parte do meu livro "Em Defesa da Sola Scriptura", que eu recomendo ler inteiro, dá pra baixar de graça em algum destes links:
https://mega.nz/#!3xhxVDLY!nwh9f7fHO6cE8TAQYzmWQNDfVTNz9-IDoijRxUaYvf0
http://www.mediafire.com/download/8abuci03eyrm2wq/Em+defesa+da+Sola+Scriptura+-+ebook.docx
http://www.4shared.com/file/wJ7grCH7ce/Em_defesa_da_Sola_Scriptura_-_.html
No conceito dos Pais, a tradição apostólica era tudo aquilo que foi transmitido pelos apóstolos e conservado nas Escrituras Sagradas, junto aos costumes de cada igreja local e dados históricos preservados pelos próprios Pais. Nunca tinha algo a ver com outra FONTE de autoridade fora da Bíblia. Ou seja, o que Atanásio diz aí, levando em conta o significado original de tradição, não conflita em absolutamente nada das crenças evangélicas.
Abs.
Inquisição protestante ???
ExcluirJá respondi sobre isso acima (pro outro leitor).
Excluir