Somente a Fé


Um dos princípios mais importantes da Reforma é a Sola Fide (justificação somente pela fé). Essa doutrina bíblica, embora tão ferrenhamente atacada pelos católicos, é apoiada por toda a Sagrada Escritura, e extremamente mal interpretada pelos romanistas, que pensam que pelo fato de Tiago ter dito que “a fé sem obras é morta” (Tg.2:26) significa que as obras nos justificam juntamente com a fé.

Isso não passa de uma interpretação defeituosa daquilo que significa a fé salvífica, exatamente porque a fé que nos salva não é uma fé desprovida de obras, mas uma fé que gera obras. Entender este ponto é de fundamental importância para compreendermos a Sola Fide. Nem Lutero nem qualquer outro Reformador jamais afirmou que as obras são desnecessárias e que a fé que salva é uma fé desprovida de obras. Ao contrário, Lutero disse:

“Quando assino à fé posição tão excelsa e rejeito tais obras infiéis, incriminam-me de proibir as boas obras, quando a verdade é que bem quero ensinar obras da fé verdadeiramente boas (Martin Lutero, WA VI, 205)

Lutero aqui refuta as lendas que já estavam se formando em torno dele, de pessoas dizendo que ele não era a favor das boas obras ou que era liberal ao pecado, quando na verdade ele pregava as obras que provém da fé, ou seja, que são um fruto dela. Lutero era contra as obras como causa da salvação, como os católicos pregavam, mas ele era totalmente a favor das obras “da fé”, isto é, daquelas que provém da fé salvífica. Os Pais da Igreja eram análogos a este pensamento. Clemente de Roma, por exemplo, disse aos coríntios:

“Portanto, todos foram glorificados e engrandecidos, não por eles mesmos, nem por suas obras, nem pela justiça dos atos que praticaram, e sim por vontade dele. Por conseguinte, nós, que por sua vontade fomos chamados em Jesus Cristo, não somos justificados por nós mesmos, nem pela nossa sabedoria, piedade ou inteligência, nem pelas obras que realizamos com pureza de coração, e sim pela fé; é por ela que Deus Todo-poderoso justificou todos os homens desde as origens. A ele seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém” (Clemente aos Coríntios, 32:3)

Clemente afirma que nós não somos salvos por obras, mas pela fé. Ora, se é pela fé e não por obras, então não é “fé + obras”, mas somente fé. Foi por isso que Paulo também disse:

“Mas aquele que sem obra alguma crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada em conta de justiça (Romanos 5:4)

Ao dizer sem alguma obra”, ele claramente não está dizendo que a salvação é “fé + obras”, mas somente fé. Se fosse “fé obras”, então não seria sem obras, mas com obras! Da mesma forma, Paulo afirma:

“É assim que Davi proclama bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça, independentemente das obras (Romanos 4:6)

Se é “independente” das obras, então só pode ser somente pela fé! A nossa justificação é somente pela fé, e não por obras, porque, se fosse por obras, anularia a graça:

“E se é pela graça, já não o é pelas obras; de outra maneira, a graça cessaria de ser graça” (Romanos 11:6)

Essa realidade da Sola Fide – somente a fé – fica ainda mais claro quando Paulo escreve aos gálatas, dizendo:

“Sabemos, contudo, que ninguém será justificado pela prática da lei, mas somente pela fé em Jesus Cristo. Também nós cremos em Jesus Cristo, e tiramos assim a nossa justificação da fé em Cristo, e não pela prática da lei. Pois, pela prática da lei, nenhum homem será justificado” (Gálatas 2:16)

A expressão que Paulo usoui aqui – “somente pela fé” – é o equivalente a “Sola Fide”. Basílio de Cesareia (329 – 379) escreveu expressando o mesmo parecer paulino da justificação unicamente pela fé:

“Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor, que Cristo para nós foi feito por Deus santificação, sabedoria, justificação, e redenção. Este é o perfeito e puro gloriar-se em Deus, quando alguém não se orgulha devido à sua própria justiça, mas sabe que é realmente indigno da verdadeira justiça e é justificado unicamente pela fé em Cristo” (Homilia XX, Homilia De Humilitate, §3, PG 31:529)

Porém, mesmo com tantas evidências claríssimas e incontestáveis de que a salvação vem unicamente pela fé (“Sola Fide”), mesmo assim os católicos continuam pregando que os evangélicos estão errados e que as obras também justificam. Porém, como vimos, eles tem um conceito distorcido e deturpado daquilo que a fé genuína significa.

Para dizer que a salvação é pela fé + obras, significa que essa fé é desprovida de obras e que necessita do acréscimo independente delas para a salvação. Porém, não é isso o que ocorre na realidade. A fé salvífica não é uma fé falsa, desprovida de obras ou ações de nossa parte, mas sim uma fé que atua pelo amor, que nos faz gerar frutos (obras, santidade) de nossa parte.

Tiago não estava refutando o princípio paulino da justificação somente pela fé, mas estava refutando o conceito distorcido que alguns tinham com relação ao que seria essa “fé”. Alguns diziam que essa fé era uma fé vazia, sem obras, sem ações, sem ajuda aos necessitados. Tiago, então, mostra que a fé que nos salva (a fé salvífica) é acompanhada por obras, não porque as obras salvam o homem junto com a fé, mas porque as obras são uma consequência da fé verdadeira, como Paulo diz:

“Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus parafazermos boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (Efésios 2:8-10)

Paulo é categórico aqui. Ele afirma que nós somos salvos pela graça, através da fé (ponto final). Para ser mais claro ainda, ele afirma que não é por obras. Isso liquida com o quadro católico (fé + obras = justificação). A salvação é somente pela graça, através da fé (Sola Fide). Porém, Paulo afirma no verso 10 que nós fomos feitos para as obras.

Em outras palavras, as obras não entram junto como a causa da salvação (o que seria “pela”), mas sim como uma consequência dela (“para”). Entender isso é a coisa mais simples do mundo, embora dificílimo para o clero católico. Nós temos a obrigação de praticarmos boas obras que provém da fé, masnão são essas obras que nos justificam, mas somente a fé genuína que tem o poder de gerá-las. Este era o princípio abordado tanto por Paulo quanto por Tiago.

A nossa justificação pode ser somente por uma fé colocada em prática, porque mesmo as nossas melhores obras de justiça não passam de trapo de imundície:

“Somos como o impuro — todos nós! Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo. Murchamos como folhas, e como o vento as nossas iniqüidades nos levam para longe” (Isaías 64:6)

Beda, um dos mais famosos doutores da Igreja antiga (672 – 735), comentou a passagem de Tiago com a mesma ótica apresentada acima por mim e pelos Reformadores e demais evangélicos. Ele declara que o que Tiago estava dizendo é que a fé salvífica não é uma fé morta (que serve de pretexto para o pecado), mas uma fé colocada em prática, e que o dom da justificação não vem com base em méritos derivados das obras, mas somente pela fé:

“Embora o apóstolo Paulo tenha pregado que somos justificados pela fé sem as obras, aqueles que entendem por isto que não importa se levam uma vida malvada ou fazem coisas perversas e terríveis, desde que creiam em Cristo, porque a salvação é pela fé, cometeram um grande erro. Tiago aqui expõe comoas palavras de Paulo devem ser compreendidas. É por isso que ele usa o exemplo de Abraão, a quem Paulo também usou como um exemplo de fé, para mostrar que o patriarca também realizou boas obras em função da sua fé. Por isso, é errado interpretar Paulo de modo a sugerir que não importava se Abraão colocou a sua fé em prática ou não. O que Paulo queria dizer era que não se obtém o dom da justificação com base em méritos derivados de obras realizadas de antemão, porque o dom da justificação vem somente pela fé (Super Divi Jacobi Epistolam, Caput II, PL 93:22)

Creio que isso resume toda a situação.

Paz a todos vocês que vivem pela fé e dela esperam sua justificação em Cristo Jesus.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)


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Comentários

  1. E em relação aos povos não alcançados? A salvação seria pela obediência à lei moral, correto? Então é certo afirmar que pela graça de Deus serão salvos por terem feito boas obras? Sob está ótica o Sola Fide então seria apenas válido aos cristãos?

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    1. O primeiro a ser entendido é que todos pecaram e merecem a danação eterna, não existe inocente. Eu e você merecemos a morte eterna no inferno, e o índio também. Este é o sentido de pregar o Evangelho, porque a só Jesus pode salvar. Lembrando que, se todos nós merecemos isso não é injusto, mesmo que aparentemente possa parecer. A salvação não é justiça, é graça, é algo feito sem merecimento. A ira de Deus feriu a Cristo, para nossa salvação. Então, não posso afirmar por não ser um anjo ou Deus, mas os povos não alcançados provavelmente não tem salvação. É possível também levantar a possibilidade de que estas pessoas seriam pessoas que naturalmente iriam negar a Cristo, mesmo que o conhecessem.

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    2. Discordo. Por essa ótica, até os bebês que morreram antes de ter tempo de crer em Jesus iriam todos ao inferno. Sobre os povos não-alcançados, esclareço minha posição sobre isso aqui:

      http://ateismorefutado.blogspot.com.br/2015/04/o-destino-dos-povos-nao-alcancados.html

      Também não creio que Deus usaria presciência para condenar alguém que não recebeu sequer uma oportunidade. Deus não condena com base no "se", mas no que de fato aconteceu.

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  2. Lucas, fui eu que fiz esse comentário sobre salvação dos povos não alcançados. Acho que já consegui chegar a argumentação satisfatória, veja se meu raciocínio está correto:

    O homem tende naturalmente ao pecado, mas ainda tem a lei moral gravada em seu coração.
    Nesse sentido, nem todo homem que pratica boas obras é cristão, mas todo verdadeiro cristão é praticante de boas obras.

    A salvação dos povos não alcançados não se dá pelas obras em si, mas continua sendo pelo sacrifício de Cristo, que por graça os salvará. Ressaltando-se também que a lei moral gravada no coração de todo homem, mesmo os não conhecedores da graça, é de origem divina e, portanto, em todos os casos as boas obras são frutos do espírito de Cristo.

    O Sola Fide aplica-se aos não cristãos no sentido de que não importa o quão bons estes sejam, suas boas obras nunca serão suficientes para serem merecedores da eternidade com Deus, mas por graça divina poderão ser salvos já que sua obediência à lei moral é divinamente inspirada e o sacrifício de Cristo alcança todos os povos.

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    1. Muito bem colocado! Eu penso assim também, mas você expôs com mais clareza do que eu seria capaz. Sobre essa questão da lei moral em relação aos povos não-alcançados, eu escrevi aqui:

      http://ateismorefutado.blogspot.com.br/2015/04/o-destino-dos-povos-nao-alcancados.html

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  3. Eu li este artigo do ateismorefutado.blogspot antes de vir aqui para comparar com o artigo sobre o Sola Fide :)

    Como comentei, acredito que a obediência à lei moral é divinamente inspirada pois assim com os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos, as boas obras dos homens declaram a moralidade divina e, sendo assim, toda a glória deve ainda ser dada a Deus. As boas obras dos homens não apagam seus pecados ou diminuem suas faltas, pois todo bom fruto da criação divina e a própria criação em si é única e exclusivamente para glória do Senhor.

    Comecei a estudar muito recentemente, mas ainda assim gosto de arriscar comentar aqui rs

    Deus te abençoe!





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    1. Pode comentar sempre que quiser, seus comentários são sempre muito lúcidos. Deus lhe abençoe!

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