João 6 e a transubstanciação - Parte 2
No artigo anterior, escrevi sobre João 6 e a transubstanciação, pois este é o capítulo mais frequentemente utilizado pelos católicos na sua argumentação em favor da transubstanciação dos elementos da Ceia, interpretando de maneira literal as palavras de Cristo, acerca de comer sua carne e beber seu sangue. Neste presente artigo, irei continuar a exegese de João 6 que iniciei no artigo anterior, do ponto onde havia parado, até refutarmos por completo as argumentações católicas acerca deste texto.
Seguindo:
“Com isso os judeus começaram a criticar Jesus, porque dissera: ‘Eu sou o pão que desceu do céu’. E diziam: ‘Este não é Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como ele pode dizer: ‘Desci do céu’?’” (João 6:41-42)
Os judeus finalmente começaram a entender que Jesus estava dizendo que era o pão da vida. Porém, eles continuavam sem entender em que sentido que Jesus é este “pão”, ou melhor: em que sentido que podemos comer deste pão. Eles eram tão materialistas quanto os católicos são hoje, e acreditavam que, se Cristo era o pão da vida que desceu dos céus, devemos literalmente começar a comer a carne de Cristo, como um ato canibal.
Eles não estavam entendendo que, de acordo com aquilo que vimos até agora, a forma pela qual nós comemos deste pão, que é Cristo, é através da fé, quando cremos em Cristo Jesus (vs. 29, 36 e 40). Portanto, eles pensavam como os católicos: que literalmente comemos Cristo em sua natureza humana e divina. Não entendiam que era pela fé que “comemos o pão da vida”, isto é, que pela fé adquirimos a vida eterna, ao crermos que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo.
Seguindo:
“Respondeu Jesus: ‘Parem de fazer-me críticas. Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos Profetas: Todos serão ensinados por Deus. Todos os que ouvem o Pai e dele aprendem vêm a mim. Ninguém viu o Pai, a não ser aquele que vem de Deus; somente ele viu ao Pai. Asseguro-lhes que aquele que crê tem a vida eterna’” (João 6:43-47)
Novamente Jesus emprega a linguagem de “vir a ele”, que é a mesma que ele emprega alguns versos depois, sobre vir a ele para comer a sua carne e beber o seu sangue, que os católicos interpretam de modo literal. Porém, quando Jesus diz aqui sobre “vir a mim”, ele não está falando acerca de comer literalmente a sua carne, mas sim sobre crer nele, para obter a vida eterna e ser ressuscitado dentre os mortos.
O contexto não fala nada sobre eucaristia, mas fala sobre fé, sobre salvação e sobre ressurreição. Devemos, portanto, interpretar desta maneira as palavras de Cristo: vir a ele não significa literalmente comer a sua carne como em um ritual canibalístico, mas significa ter fé que Cristo é o Filho de Deus, para que, desta forma, tenhamos a vida eterna através da ressurreição dentre os mortos.
Mas os católicos tiram tudo isso do seu contexto e dizem que tudo se resumia à eucaristia, que é algo que nem sequer é tratado em todo o contexto textual de João 6. Basta nos apegarmos ao que é simples, diante do contexto, e deixarmos o texto fluir livremente, que temos todas as respostas para as lacunas que os católicos preferem preencher com uma única resposta: “eucaristia”.
Seguindo:
“Eu sou o pão da vida. Os seus antepassados comeram o maná no deserto, mas morreram. Todavia, aqui está o pão que desce do céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer deste pão, viverá para sempre. Este pão é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo" (João 6:48-51)
Aqui Jesus esclarece mais dois fatores de fundamental importância, que ratifica tudo aquilo que já vimos sobre a interpretação espiritual (e não literal) dos versos. Essas duas coisas são:
1. Quem come este pão, não morre. É evidente que todos os católicos que já participaram da eucaristia até os dias de hoje morreram. Os cemitérios estão repletos deles. Jesus não estava falando em termos físicos, mas em termos espirituais. Não estava falando de uma morte física, mas de uma morte espiritual. Se o que Jesus dizia em seu contexto fossem verdades físicas e materiais, devíamos pensar que até hoje nunca morreu fisicamente algum católico que participou da eucaristia, o que sabemos que não é verdade. Este fato importante nos mostra mais uma vez que Jesus estava falando em termos espirituais, e não em termos físicos/materiais.
2. Quem comer deste pão, viverá para sempre. Esta é outra declaração análoga à anterior. É evidente que em termos físicos ninguém vive para sempre; comendo ou não da eucaristia, todos morrem. É para isso que existem as sepulturas. Porém, como Jesus não falava em termos físicos, mas espirituais, podemos entender (diante do contexto) que Cristo estava apenas reiterando as mesmas verdades já ditas anteriormente: que aquele que “come a sua carne” (i.e, crê em Cristo) obterá a vida eterna através da ressurreição, no último dia (v.40).
Portanto, o contexto das declarações de Cristo é perfeitamente plausível dentro da interpretação espiritual, mas inteiramente incabível dentro de uma análise literal e física das palavras proferidas por Cristo. A conclusão a que chegamos é que a carne que Cristo daria pela vida do mundo não era um pão físico que seria transformado literalmente no corpo de Cristo na eucaristia, mas sim o próprio corpo de Jesus que seria pendurado numa cruz para dar a sua vida em favor de todos nós.
Paulo disse isso, ao escrever aos efésios:
“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade”(Efésios 2;14)
E também aos colossenses:
“E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus. A vós também, que noutro tempo éreis estranhos, e inimigos no entendimento pelas vossas obras más, agora contudo vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para perante ele vos apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis” (Colossenses 1:20-22)
É óbvio que a referência nos textos acima não é sobre a eucaristia ou Ceia do Senhor, mas sobre a morte de Cristo na cruz do Calvário. A declaração que Cristo fez no verso 51 é análoga a isso. Ele diz: “este pão é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo” (v.51). O “darei pela vida do mundo” é uma clara referência à morte de Cristo na cruz, pois Deus amou tanto ao mundo que “deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo.3:16).
Em ambos os textos, é a mesma coisa a que se refere. Cristo deu a sua carne (sua vida) na cruz, em favor do mundo todo. O contexto não está, portanto, tratando da eucaristia, muito menos de uma “transubstanciação”, mas sobre crer em Cristo, para não perecermos, mas herdarmos a vida eterna. Jesus usou o exemplo do “pão” para ilustrar isso. Foi uma ilustração, e não uma literalidade.
O contexto inteiro está apontando que comer o pão é crer em Cristo, e que a carne que Cristo daria é uma referência à sua morte na cruz, e não à eucaristia. O contexto de “alimentar-se” de Jesus por meio de sua carne e sangue é uma figura de linguagem semelhante à de João 4:14, onde Cristo diz:
“Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna” (João 4:14)
Tanto a “água” de João 4:14 quanto a “carne” e “sangue” de João 6 constituem uma linguagem espiritual, não física.
Seguindo:
“Então os judeus começaram a discutir exaltadamente entre si: ‘Como pode este homem nos oferecer a sua carne para comermos’? Jesus lhes disse: ‘Eu lhes digo a verdade: Se vocês não comerem a carne do Filho do homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em si mesmos. Todo o que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Todo o que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele’” (João 6:52-56)
Chegamos, agora, à parte mais utilizada pelos católicos (tirada de seu contexto, é claro!). Os judeus não conseguiam entender que a carne que Jesus falou para comer, assim como o sangue que Cristo falou para beber, era uma linguagem espiritual, sobre crer em Cristo para ter a vida eterna. Eles pensavam que era para praticarem um ato de canibalismo, coisa repudiável e proibida pela própria lei judaica.
Os católicos interpretam o mesmo, pelas palavras de Cristo, de que “a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida” (v.55). Eles dizem que este “verdadeira comida”e o “verdadeira bebida” só podem significar que Cristo estava falando literalmente. Porém, isso não é mais literal do que aquilo que Cristo disse sobre ser a “verdadeiravideira”:
“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador” (João 15:1)
Jesus não disse que era uma “videira simbólica”, mas disse que ele era a verdadeira videira. Será, que, por isso, Jesus passou a ser literalmente uma videira com folhas crescendo em seus braços e em suas orelhas? Apesar de a resposta católica ser duvidosa, eu creio que não!
O fato é que, se por Cristo ter dito que sua carne era “verdadeira comida” significa que ele era uma comida literal, então devemos usar de critério e crermos também que Cristo é uma videira literal, pois ele disse que era a “verdadeira videira”. Portanto, dois pesos, duas medidas! Ou é simbolismo, ou é literal!
Dizer que em João 6:55 é literal e que em João 15:1 é simbólico só porque “a Igreja Católica disse”, ainda mais tendo em vista que ambos os textos possuem a mesma estrutura gramatical e linguística, é argumentar no vazio, porque torna-se um argumento circular e falacioso.
Se os católicos lançassem mão de um mínimo de critério, iriam admitir que João 6:55 é tão simbólico quanto João 15:1, uma vez que ambos possuem a mesma estrutura. Mas, como encontrar coerência ou critério nos dogmas católicos é algo que a Igreja Romana jamais pensou antes de formular suas heresias, eles clamam literalidade a João 6:55, expulsando a exegese e a coerência à gritos e berros das interpretações deles.
No próximo artigo da série, irei entrar ainda mais a fundo no contexto de João 6:55, na refutação dos argumentos católicos, com interpretações tomadas pelos primerios cristãos a este respeito e também com base no original grego. Não percam!
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)
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