A Sola Scriptura nos Pais da Igreja - Parte 3


Nos artigos: Os Pais da Igreja e a Sola Scriptura (P1) e Os Pais da Igreja e a Sola Scriptura (P2), eu mostrei vários textos patrísticos que provam que os Pais da Igreja adotavam o princípio cristão e evangélico da Sola Scriptura, crendo na Bíblia como sendo a única e suficiente regra de fé e prática dos cristãos. No livro “Teologia Sistemática”, de Norman Geisler, o autor expôs vários outros pontos importantes de escritos dos Pais da Igreja que confirmam, mais uma vez, o princípio de Sola Scriptura na patrística. Vou passar os textos com um breve comentário meu sobre cada um deles, e por fim considerações finais sobre estes textos.

-Agostinho de Hipona: 

Quando eles [os apóstolos] escrevem que Ele [Cristo] ensinou e disse, não se pode concluir que Ele não escreveu, uma vez que os membros somente escrevem o que vieram a conhecer com o ditado [dictis] da Cabeça. Portanto, tudo o que Ele desejava que nós lêssemos, a respeito das suas palavras e obras, Ele ordenou que seus discípulos, suas mãos, escrevessem. Consequentemente, não se pode deixar de receber o que se lê nos Evangelhos, ainda que escrito pelos discípulos, como se tivesse sido escrito pela mão do próprio Senhor” (HG, 1.35) 

Dois pontos importantes devem ser feitos com base nessa importante declaração de Agostinho: primeiro, que ele refuta a alegação dos católicos romanos atuais, que dizem que Jesus nunca escreveu nada, como se fosse um “argumento” contra a Sola Scriptura. Agostinho se mostra veementemente contrário a essa posição e ainda diz que Cristo escreveu de modo indireto, pois o que os discípulos escreveram foi aquilo que fora dito inicialmente pelo próprio Cristo.  

Em segundo lugar, o bispo de Hipona nos diz que a Escritura possui tudo o que Cristo desejou que nós lêssemos a respeito de suas palavras e obras. Tudo o que ele ordenou aos seus discípulos, seus discípulos escreveram. Portanto, aqui ele atesta o princípio básico da suficiência das Escrituras. É óbvio que, se todas as coisas que Jesus disse durante 33 anos fossem escritas, nem mesmo em todos os livros do mundo iria caber tantos ensinamentos (Jo.21:25).

Porém, o que nos foi legado por escrito foi a seleção daquilo que é o mais importante que Ele desejava que nós lêssemos sobre as suas palavras e obras, de forma tal que tudo o que ele ordenou aos seus discípulos, eles escreveram” – isto é, tudo que fosse suficiente, tudo que fosse importante, tudo que fosse necessário. Isso refuta a crença de que uma tradição oral não-escrita possa vir a ser base de doutrinas cristãs essenciais que os apóstolos “esqueceram” de passar por escrito, mas que a Igreja Católica “lembrou” de conservar oralmente. 

“Eu aprendi a dedicar este respeito e honra somente aos livros canônicos das Escrituras: somente nestes livros, eu acredito firmemente; os autores estavam completamente livres de erros” (ibid., 40) 

Agostinho não se diz confiante em uma tradição não-escrita com ensinamentos fora das Escrituras, mas sim “somente nestes livros”, isto, é somente na Bíblia (=Sola Scriptura)! 

“Se nós ficarmos perplexos por alguma contradição aparente nas Escrituras, não é permitido dizer: O autor deste livro está enganado; mas o manuscrito é defeituoso, ou a tradução está errada, ou vocês entenderam mal”(AT, 11.5) 

Esta outra afirmação de Agostinho é curiosa pelo fato de que a maioria dos católicos rejeitam a infalibilidade e inerrância absoluta das Escrituras. Eles se juntam aos ateus e agnósticos nas críticas à Bíblia e na exposição de supostas “contradições” da Bíblia (que já foram todas refutadas pelos apologistas de verdade), tudo isso para salvar os livros apócrifos deles, que além de heresias ainda estão repletos de erros de ordem histórica, cronológica e geográfica. Sendo assim, eles apelam dizendo que o resto da Bíblia “também” tem falhas, mas Agostinho aponta três aspectos principais que atestam que a Escritura não possui qualquer erro, que pode ser: (1) erro de copista [manuscrito defeituoso]; (2) erro de tradutor para a língua vernácula; (3) nós mesmos que não compreendemos o texto corretamente.

-Jerônimo: 

“Eu lhes peco [...] que vivam entre estes livros, que meditem sobre eles, que não conheçam nada alem deles, que não procurem outra coisa. Uma vida assim não lhes parece um prenúncio do céu aqui na terra? Que a simplicidade das Escrituras não os ofenda; pois ela se deve, ou a erros de tradutores, ou tem propósito deliberado: pois desta maneira, elas são mais adequadas à instrução” (LSJ, 53.10,102) 

Jerônimo proíbe que procuremos outra fonte além das Escrituras, pois elas são a única regra de fé e prática dos cristãos. Se não fosse, poderíamos perfeitamente conhecer ou procurar doutrinas em outro lugar (como fazem os católicos)! Porém, o fato da Escritura Sagrada ser a única e insubstituível regra de fé dos cristãos explica o porquê que não devemos procurar outra fonte de fé além dos escritos sagrados da Bíblia.

-Cirilo de Jerusalém: 

“Com respeito aos mistérios divinos e salvadores da fé, nenhuma doutrina, mesmo trivial, pode ser ensinada sem o apoio das Escrituras divinas... pois a nossa fé salvadora deriva a sua força, não de raciocínios caprichosos, mas daquilo que pode ser provado a partir da Bíblia(Cirilo, Das Divinas Escrituras) 

Cirilo é muito claro aqui: nenhuma doutrina (nem mesmo a menor) pode ser ensinada se não estiver na Bíblia! Pois a nossa fé salvadora não deriva de outra coisa, senão daquilo que pode ser provado pelas Escrituras. Infelizmente os católicos abandonaram o conceito de Sola Scriptura (somente as Escrituras) exatamente porque não tinham como provar pela Bíblia inúmeras de suas falsas doutrinas e dogmas que não se encontram nela, tais como: 

Assunção de Maria
Imaculada conceição
Purgatório
Reza aos mortos
Ladainhas católicas
Prostrar-se diante de imagens
Ascender vela aos mortos
Procissão às imagens
Culto aos santos
Infalibilidade papal
Primazia do bispo de Roma
Co-Redenção de Maria
Culto de dulia e hiperdulia
Maternidade espiritual de Maria
Maria esmaga a cabeça da serpente
Celibato obrigatório do clero 

Vale ressaltar que o que foi mostrado acima é apenas uma pequena lista de heresias que a própria Igreja Católica admite que não se encontram na Bíblia. Existe uma infinidade de heresias católicas que eles tentam achar alguma base bíblica para elas, tais como a transubstanciação, a virgindade perpétua de Maria e que Maria seja mãe de Deus, ainda que essa interpretação deles seja fraca, insustentável e defeituosa. Mas, dos ensinos mostrados acima, os próprios católicos admitem que tais coisas não se encontram na Bíblia, mas somente na tradição católica.  

Por exemplo, não existe um único versículo da Bíblia que declare a assunção de Maria. Da mesma forma, o próprio papa João Paulo II reconheceu que “Jesus não proclamou formalmente a maternidade universal de Maria”[1], e admitiu também que não existe qualquer base exegética para sustentar que Maria é a mulher que esmaga a cabeça da serpente em Gênesis 3:15[2][3]. Sobre o dogma da imaculada conceição, a própria Enciclopédia Católica confessa que não há “nenhuma prova direta, ou categórica e estrita do dogma que possa ser encontrada nas Escrituras”[4].  

O celibato obrigatório também não aparece em lugar nenhum, pois o máximo que podemos encontrar é, em alguns casos, a sugestão do celibato (1Co.7:7), mas nunca a imposição dele a todos que fossem do clero. Prova disso é o fato de que os bispos e diáconos da Igreja eram casados e tinham filhos (1Tm.3:1-7). Enfim, a lista vai longe. Embora em alguns dos pontos acima alguns poucos católicos se aventuram a “provar nas Escrituras” determinada heresia católica, só conseguem distorcer os versículos bíblicos de forma desconexa e manipulada, sendo que a maioria mais honesta já reconhece que factualmente não existe qualquer evidência bíblica para elas, tornando inútil e vã as tentativas de outros católicos em demonstrar o contrário. 

É por isso que vemos tantos católicos com a famosa afirmação deles (repetida tanto a exaustão que me parece ser o lema da Igreja deles): “Quem disse que precisa estar na Bíblia”? Ora, quem disse que precisa estar na Bíblia é Cirilo de Jerusalém, que disse que «nenhuma doutrina, mesmo trivial, pode ser ensinada sem o apoio das Escrituras divinas». Compare isso com a famosa afirmação de Lutero, que disse que «qualquer ensinamento que não se enquadre nas Escrituras deve ser rejeitado, mesmo que faça chover milagres todos os dias». Alguém percebeu diferença?  

Quem diz que a Escritura é o ápice da autoridade na Igreja não são os protestantes, é Agostinho, que disse que «as Escrituras canônicas estão salutarmente colocadas no ápice da autoridade»[5]. Quem atesta a completa suficiência das Escrituras não são os protestantes, é Atanásio, que disse que «as Sagradas Escrituras são inspiradas e são totalmente suficientes para a proclamação da verdade»[6], e que «a Sagrada Escritura é em todas as coisas mais do que suficiente para nós»[7].  

Portanto, quem prega a Sola Scriptura não são os protestantes somente: são os próprios Pais da Igreja cristã primitiva. 

Paz a todos vocês que estão em Cristo. 

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)


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-Notas e referências: 

[1] Cf. “Osservatore Romano” 24.04.1997. Confira mais neste site católico. 

[2] O papa João Paulo II afirmou: Os exegetas são agora unânimesem reconhecer que o texto do Genesis, segundo o original hebraico, atribui a ação da serpente não diretamente à “Senhora”, mas à sua descendência (Papa João Paulo II, Audiência Geral de 25 de Janeiro de 1996) 

[3] Leia mais sobre isso neste artigo. 

[4] The Catholic Encyclopedia, Volume 7, 1913, pág.675. 

[5] A Doutrina Cristã, Livro IV – Sobre a maneira de ensinar a doutrina, Cap.4. 

[6] Contra os pagãos 1, 3. 

[7] Para os bispos do Egito 1, 4.

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