O cão de guarda da Inquisição
Suponhamos que eu
queira matar o Fulano, mas não queria me manchar de sangue com essa morte.
Então eu peço que Beltrano faça o trabalho sujo em meu lugar, matando aquele
indivíduo que eu não quero mais ver vivo. Se Beltrano começar a relutar ou a
pensar muito, eu começo a fazer uso da minha autoridade para ameaçá-lo. Eu digo
que se ele não me obedecer e não matar o Fulano, ele vai sofrer sérias
consequencias, como ser deposto de algum cargo que ocupe em sua empresa. Após insistir
e ameaçar Beltrano, ele aceita a proposta e mata o Fulano.
A imprensa fica
revoltada, porque Fulano morreu por minha culpa. Ela sabe que eu pedi que
Beltrano o matasse, mas eu me defendo, dizendo:
– Eu não matei
ninguém! Quem matou foi o Beltrano, aquele malvado e perverso! Eu sou do bem,
veja como as minhas mãos não estão sujas de sangue!
Embora a opinião
popular da cidade seja massivamente em favor da minha punição (e não apenas da
punição de Beltrano), uma meia dúzia de retardados mentais, que sofreram forte
carga de lavagem cerebral por toda a vida ao ponto de se tornarem zumbis,
começam a fazer campanha em meu favor, dizendo:
– Apenas o Beltrano é
culpado, parem de falar mal do Lucas! O Lucas matou pouca gente, mas esse
Beltrano aí é um bandido sem escrúpulos da pior espécie, é ele o culpado por
todos os males! Só o Beltrano é responsável pela morte do Fulano; se só
dependesse da vontade do Lucas nada disso teria acontecido!
***
Sim, esta é uma
estória fictícia. Graças a Deus eu não matei ninguém; afinal, não sou a Igreja
Católica. Mas ela serve como analogia para mostrar a safadeza de certos
apologistas católicos pilantras que tentam defender a inquisição jogando toda a
culpa no poder civil. Sempre quando um protestante cita algum episódio de
chacina, tortura, massacre, execução ou horrores de qualquer espécie, o papista
se defende jogando toda a culpa dessas milhões de mortes nas costas do poder
civil, ficando apenas com uma pequena quantidade de execuções atribuídas à
Igreja propriamente dita.
Muitos católicos
aceitam apenas 6 mil mortes na conta da inquisição, enquanto outros ainda mais
lunáticos dizem que foi apenas 30, e outros, bisonhamente, dizem que a
inquisição nunca existiu, da mesma forma que alguns neo-nazistas negam o
holocausto. E se algum protestante cita os vários casos onde pessoas
não-católicas foram ameaçadas, perseguidas, torturadas, queimadas ou executadas
de alguma maneira, imediatamente o papista tira a carta na manga que todo
embusteiro tem: a culpa é do poder civil, e a Igreja não tem nada a ver com
isso!
O que o apologista
católico definitivamente não vai
contar a você é que, assim como no exemplo ilustrativo do início do artigo, o
poder civil matava porque era a própria Igreja que mandava que ele matasse.
Ou seja, a Igreja matava alguns (uma minoria) de forma direta, através de suas
próprias instituições internas, e outros (a maioria) ela matava de forma
indireta, compelindo o poder secular a matar, sob ameaças de excomunhão e até
de deposição do cargo.
Eu poderia citar aqui
centenas de historiadores que confirmam isso, mas aí os revisionistas iriam
rebater com a meia dúzia de “historiadores” revisionistas que eles usam e
ficaríamos eternamente em um fogo cruzado de citações de historiador x e y. Por
isso, eu preferi acabar logo com a palhaçada revisionista e pesquisar nas fontes primárias, ou seja, nos próprios
concílios ecumênicos da Igreja Romana daquela época. Ao pesquisar sobre a
relação entre a Igreja e o poder secular, ficou claro que o poder secular não
matava contra a vontade da Igreja
(como os papistas embusteiros afirmam), mas sim por causa da vontade da Igreja.
O Quarto Concílio de
Latrão (1123), por exemplo, determina que os hereges sejam entregues às
autoridades seculares, para a “devida punição”:
“Nós
excomungamos e anatematizamos toda heresia erguida contra a fé santa, católica
e ortodoxa que temos exposto acima. Condenamos todos os hereges, quaisquer que
sejam os nomes que podem ir abaixo. Eles têm rostos diferentes, mas na verdade
suas caudas são amarradas juntas, na medida em que são similares em seu
orgulho. Que aqueles condenados sejam
entregues às autoridades seculares presentes, ou aos seus oficiais de justiça,
para a devida punição”[1]
Portanto, embora seja
verdade que geralmente era o poder secular que matava os “hereges”, era a Igreja que entregava essas pessoas ao
poder secular, em vez dela ser essa coisa boazinha que se opunha às
autoridades civis malvadas, como os apologistas católicos costumam pintar. A
Igreja Romana pregava abertamente a “censura
eclesiástica”, na qual as autoridades seculares eram compelidas a
exterminar os “hereges” da terra deles:
“Que as
autoridades seculares tenham isso em conta e, se for necessário, que sejam obrigados pela censura
eclesiástica, se desejam ser reputados por fieis, que façam um juramento
público pela defesa da fé no sentido de que vão buscar, na medida do possível, exterminar (exterminare) das terras sujeitas a sua jurisdição a todos os
hereges designados pela Igreja. Portanto, cada vez que alguém é promovido a
autoridade espiritual ou temporal, está obrigado a confirmar este artigo com um
juramento”[2]
Embora nas traduções que
consultei do referido concílio (para o português e para o espanhol) conste a
palavra “expulsar”, eu conferi que o
original em latim traz o termo exterminare,
que eu acho que ninguém precisa ser expert em latim para saber o que
significa. Os tradutores católicos, tentando suavizar a monstruosidade do
concílio, mudam as palavras para se ajustar à versão mais “tolerante” da Igreja
moderna. Note ainda que o mesmo cânone diz que quando alguém é promovido a
autoridade espiritual ou temporal
ela se torna OBRIGADA a confirmar este artigo (que manda exterminar os hereges)
sob juramento. Nada que se pareça com
o poder civil matando contra a vontade da Igreja!
O mesmo concílio
insano ainda ameaça severamente as autoridades civis que rejeitarem seguir
essas ordens para matar os hereges:
“Se,
contudo, um senhor temporal, que recebeu as instruções exigidas pela igreja, se
esquecer de limpar o seu território desta porcaria herética, ele deve ser vinculado com o vínculo de
excomunhão dos bispos metropolitanos
e outros da província. Se ele se recusa a dar satisfação dentro de um ano,
a mesma será comunicada ao Sumo Pontífice para que ele possa, em seguida, declarar seus vassalos absolvidos de sua
fidelidade para com ele e tornar a terra disponível para ocupação dos católicos
para que estes possam, depois de ter expulsado os hereges, não fazer oposição e
preservar a pureza da fé”[3]
O cânone acima é
autoexplicativo. A autoridade civil que se recusasse a “limpar seu território”
dos hereges (=exterminar todos eles) seria primeiro excomungada, e se mesmo
assim ela continuasse se recusando a seguir a ordem da Igreja este senhor feudal
perderia a sua propriedade(!), todos os seus vassalos estariam livres de
obedecê-lo e ocupariam as terras deste senhor a la MST, para então fazer o que este senhor não fez: acabar com os
hereges. Os católicos que assim agissem, exterminando os hereges, ganhariam a
mesma indulgência prometida para aqueles que lutassem nas Cruzadas, ou seja, a
Igreja bancaria o assassinato do cidadão, concedendo-lhe indulgência:
“Católicos
que tomam a cruz e avançam para cima a fim de exterminar os hereges gozarão da
mesma indulgência, e reforçadas pelo mesmo privilégio santo, como é concedido
para aqueles que vão para o auxílio da Terra Santa. Além disso, determinamos excomunhão
aos crentes que recebem, defendem ou apoiam os hereges”[4]
Além disso, no
Terceiro Concílio de Latrão (1179) a Igreja incentivava a escravidão dos “hereges”,
mandava confiscar os seus bens e ordenava que os católicos os atacassem com
armas:
“Os seus
bens estão a ser confiscados e os príncipes estão livres para submetê-los à
escravidão (...). Na autoridade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, concedemos
aos fiéis cristãos que peguem em armas contra eles”[5]
O poder secular estava
tão intimamente relacionado ao poder eclesiástico que a ele era atribuída
rotineiramente a linguagem de “braço”, ou seja, como uma mera extensão do corpo
(Igreja), em vez de um entidade totalmente à parte, como os fanáticos papistas
querem nos convencer. Vale lembrar que naquela época inexistia o conceito
moderno de “Estado Laico”, ou seja, não havia separação entre Igreja e Estado,
e o Estado também era católico, governado por reis católicos e submetidos à
obediência da Igreja, que em alguns casos chegou até mesmo a depor os reis(!),
como quando o papa Gregório VII depôs o imperador Enrique IV, dizendo:
“Proíbo ao rei Enrique, o qual, por insensato orgulho, se lançou contra a Igreja,
governar o reino da Alemanha e da Itália. E desligo a todos os cristãos do
juramento que os unia a ele, e proíbo a
todo o mundo que o reconheça como rei’”[6]
E, de fato, Enrique foi deposto
do cargo!
É interessante notar que os
papas naquela época tinham um poder temporal tão grande quanto o dos reis e do
imperador (e às vezes até maior!), chegando muitas vezes a depor ou a
excomungar reis, e, mesmo assim, nunca chegou
a excomungar nenhum rei por matar ou torturar “hereges”. Este fato, por si só,
já deveria ser o bastante para calar a boca daqueles que dizem que o poder
secular malvadão matava todo mundo contra a vontade da Igreja, que, coitadinha,
nada podia fazer para impedir toda essa carnificina.
A Igreja tinha poder para
impedir, mas nunca impediu, porque considerava o poder secular o seu braço para o qual ela entregava à morte
quem ela considerava “herege”, tal como diz o Quarto Concílio de Latrão:
“Se
qualquer pessoa age de outra forma, deixe-a saber que ela foi atingida pela
espada da excomunhão e se ela não retornar a seus sentidos será deposta no
ministério da igreja, com o braço
secular a ser chamado em caso necessário, para abafar tamanha audácia”[7]
O cânon 71, falando
sobre a “trégua de Deus”, diz que “o poder secular
será invocado pela autoridade eclesiástica contra eles”[8].
Como vemos, o poder secular não era outra coisa senão uma ferramenta usada pela
Igreja para punir quem ela achava que devia ser punido. O poder secular não
estava em conflito com a Igreja, mas
a serviço dela! Desde pelo menos o
Segundo Concílio de Latrão (1139) a Igreja se utilizava do poder secular para
exigir a punição dos hereges:
“Aqueles
que, simulando um tipo de religiosidade, condenam os sacramentos, nós expulsamos
da igreja de Deus e condenamos como hereges, e exigimos que eles sejam constrangidos pelo poder secular”[9]
O Concílio de Florença
(1431), longe de coibir a carnificina e de separar Estado e Igreja, só piora o
preconceito, intolerância, tirania e monstruosidade praticados pela Igreja
mediante o seu “braço secular”. Podemos começar mostrando a discriminação
covarde imposta contra os judeus convertidos, os quais eram proibidos de
prosseguir com seus costumes judaicos sob a ameaça dos inquisidores e do “auxílio do braço secular”:
“Os
convertidos devem ser proibidos, sob pena de severas sanções, de enterrar seus
mortos de acordo com o costume judaico ou de observar de alguma forma o sábado
e outras solenidades e rituais de sua seita. Em vez disso, eles devem
frequentar nossas igrejas e sermões, tal como os outros católicos, e
conformar-se em tudo aos costumes cristãos. Aqueles que mostrarem desprezo a
isso devem ser delatados aos bispos
diocesanos ou aos inquisidores de heresia por seus párocos, ou por outros
que lhe são confiadas por lei ou costume antigo sobre tais assuntos. Deixem-nos serem punidos, com o auxílio do
braço secular se necessário, para dar exemplo aos demais”[10]
Se essa era a situação
do judeu convertido, imagine como era
a situação do judeu não-convertido! Felizmente, você não precisa imaginar nada.
O próprio concílio responde isso por nós:
“Além
disso, renovamos os cânones sagrados, que ordenam
os bispos diocesanos e os poderes seculares a proibir em todos os
sentidos judeus e outros infieis de ter cristãos, homens ou mulheres, em suas
famílias prestando serviços, ou como enfermeiros de seus filhos, e os cristãos
de entrar com eles em festas, casamentos, banquetes ou banhos, ou em muita
conversa, ou em tomá-los como médicos ou agentes de casamentos ou mediadores
nomeados oficialmente de outros contratos. A eles não devem ser dadas outras
repartições públicas, ou admitidos a quaisquer graus acadêmicos. Eles estão
proibidos de comprar livros eclesiásticos, cálices, cruzes e outros ornamentos
de igrejas, sob pena da perda do objeto, ou a aceitá-los em penhor, sob pena de
perda do dinheiro que emprestou. Eles estão obrigados, sob severas penas, de
usar algum vestuário em que possam ser claramente distinguidos dos cristãos. A
fim de evitar relações sexuais mútuas, eles devem habitar em áreas distantes,
nas cidades e vilas que estão para além das residências dos cristãos e o mais
distante possível de igrejas. Nos domingos e outras festas solenes que não se
atrevam a abrir suas lojas ou trabalhar em público”[11]
Este preconceito
covarde e desumano contra o povo judeu torna-se ainda mais deplorável quando
constatamos que esses mesmos judeus eram em geral mais bem tratados pelos
sarracenos (muçulmanos) do que pelos próprios católicos. Os judeus conviviam
pacificamente com os muçulmanos em Jerusalém, quando o exército de bárbaros e selvagens
conhecidos como “cruzados” entrou na cidade, matando ao fio da espada homens,
mulheres, crianças e bebês, e reuniu os judeus na sinagoga, onde foram, sem
piedade, queimados vivos[12]. Depois que os cristãos
tomaram posse da cidade, os judeus fugiram para as cidades muçulmanas e
bizantinas, onde havia mais tolerância.
Geoffrey Blainey
afirma que na nova Roma católica “as sinagogas, que por vezes tinham estado a favor dos
governadores romanos, eram agora desprezadas. Em menos de um século, os judeus
perderam seu direito de casar-se com cristãos, a não ser que mudassem de
religião, e perderam seu direito de servir o exército. Não podiam tentar
converter outras pessoas à sua religião; em vários lugares, as multidões
destruíam sinagogas”[13].
Não há nada que Hitler tenha sentido contra os judeus que já não tivesse sido
instigado, há muito antes, pelos católicos romanos – e apoiados nos próprios
concílios oficiais da Igreja, dito “infalíveis” (leia-se: preconceituosamente infalíveis).
O mesmo concílio ainda mostra o
juramento que o novo integrante do clero tinha que prestar, e que, entre outras
coisas, prescrevia a entrega ao “braço secular” para lidar com os hereges:
“Esta é
a fé, santo pai, que eu juro e prometo manter e observar e ver que ela é
mantida e observada em todos os detalhes. Eu me engajarei e solenemente prometo
privar de todos os seus bens e benefícios, de excomungar e denunciar como
herético e condenado, quem rejeitar isso e levantar-se contra isso, e, se ele for
obstinado, para degradá-lo e entregá-lo ao
braço secular”[14]
Essa realidade se fez
bastante presente na condenação do grande John Huss, um dos pré-reformadores
mais importantes, o qual foi queimado vivo na fogueira enquanto cantava um hino
de louvor a Deus. No caso dele, bem como no de muitos outros, a Igreja o
entregou às autoridades seculares, sabendo que a decisão já estava tomada – a morte
na fogueira:
“Este
santo sínodo de Constança abandona John Huss ao juízo da autoridade secular e
decreta que ele será abandonado ao tribunal secular”[15]
Um dos artigos condenados de John Huss,
mencionados no mesmo Concílio de Constança (1414), é um em que Huss diz:
“Os doutores
que afirmam que toda pessoa submetida a censura eclesiástica, se se recusa a
ser corrigido, deve ser entregue ao juízo da autoridade secular, estão, sem
dúvida, seguindo os sacerdotes, os escribas e os fariseus que entregaram à
autoridade secular o próprio Cristo, pois eles não estava dispostos a cumprir
todas as coisas, dizendo: ‘Não é lícito para nós colocar qualquer homem à morte’,
e estes deram-lhe ao juiz civil, de modo que estes homens são assassinos ainda
maiores do que Pilatos”[16]
Huss comparava o que o
catolicismo romano fazia em sua época com aquilo que os fariseus e mestres da
lei fizeram com Cristo. Os fariseus não mataram Jesus com suas próprias mãos,
mas queriam vê-lo morto e para isso o entregaram à autoridade civil. No
entanto, em vez de Jesus dizer que a culpa recaía apenas sobre Pilatos
(autoridade civil), ele disse que aqueles que o tinham entregado a ele
(autoridades religiosas) tinham culpa maior ainda do que Pilatos (Jo.19:11). O
catolicismo romano fazia exatamente a mesma coisa em pleno século XV. O apelo
de Huss não adiantou, e ele acabou sendo queimado vivo do mesmo jeito.
Não satisfeito com
isso, o papa Martinho V (1417-1471) ainda enviou uma carta ao rei da Polônia
ordenando o extermínio dos hussitas (seguidores de John Huss):
"Saiba
que os interesses do Santo Governo, e daqueles de sua coroa, consideram o seu
dever exterminar os hussitas. Lembre-se de que essas pessoas ímpias se atrevem
a proclamar princípios de igualdade; eles afirmam que todos os cristãos são
irmãos... que Cristo veio a terra para abolir a escravidão; eles chamam as
pessoas à liberdade, isto é à aniquilação de reis e bispos. Enquanto ainda há
tempo, pois, levante suas forças contra a Boêmia; queime, massacre, faça desertos por toda parte, porque nada poderia ser
mais agradável a Deus, ou mais útil para a causa dos reis, do que o extermínio
dos hussitas"[17]
Era essa a verdadeira
relação entre a Igreja e o Estado. O Estado não era um vilão malvado que matava
pessoas pelas costas da Igreja santa e inocente, mas era um comparsa por ela compelido
a continuar matando em nome da fé católica. Antes de surgir o nefasto e
abominável revisionismo católico moderno, com a sua meia dúzia de “historiadores”
selecionados a dedo e ainda deturpados, virtualmente todos os historiadores do
planeta reconheciam este fato óbvio, inclusive Ignaz von Döllinger, que foi o
maior historiador eclesiástico do século XIX, o qual afirmou:
"Através
da atividade incansável dos papas e seus legados... a posição da Igreja era [que]
todo desvio do ensinamento da Igreja, e toda oposição importante a qualquer
ordenança eclesiástica, deviam ser punidos com morte, e a mais cruel das
mortes, pelo fogo... Eram os papas que incentivavam bispos e padres a condenar
os heterodoxos à tortura, confisco de seus bens, aprisionamento, e morte, e impor a execução dessa sentença às
autoridades civis, sob pena de excomunhão... Todo papa confirmava ou
acrescentava aos artifícios de seu antecessor... [envolvendo] a Inquisição, que
contradizia os princípios mais simples da justiça cristã e o amor ao próximo, e
teria sido rejeitada com horror universal na igreja primitiva"[18]
Portanto, da próxima
vez que um papista mentiroso e covarde tentar salvar a inquisição católica ou
as milhões de mortes da Igreja jogando toda a culpa nas costas do poder civil,
jogue os concílios infalíveis da Igreja dele na cara dele mesmo, lhe fazendo
correr de vergonha por ter um dia sugerido tamanha sandice de que o Estado
matava hereges contra a vontade da Igreja. Isso sem falar que, em alguns casos
(e não poucos), eram as próprias instituições da Igreja que se dedicavam a
torturar e matar pessoas, sem terceirizar para o Estado, o que posteriormente
passou a ser o modelo mais comum. Assim, o Concílio de Tolosa (1229) prescreve:
“Proibimos
os leigos de possuírem o Velho e o Novo Testamento... Proibimos ainda mais
severamente que estes livros sejam possuídos no vernáculo popular. As casas, os
mais humildes lugares de esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de homens
condenados por possuírem as Escrituras devem ser inteiramente destruídos. Tais
homens devem ser perseguidos e caçados nas florestas e cavernas, e qualquer que
os abrigar será severamente punido”[19]
E o papa Inocêncio IV,
em sua Bula Ad Extirpanda (1252), já ordenava torturar o “herege” até o limite
da diminuição de membro e perigo de morte:
“Além
disto, que a Autoridade ou Dirigente seja obrigado a forçar todos os hereges,
os que tiver capturado, a confessar seus erros expressamente, como
verdadeiramente ladrões e homicidas de almas, e surrupiadores dos sacramentos
de Deus e da fé cristã, e a acusar outros hereges, os que conhecem, e os
crentes e os receptadores, e os defensores deles, assim como são forçados os
surrupiadores e os ladrões das coisas temporais, a acusar seus cúmplices e a
confessar os malefícios que fizeram, até
o limite da diminuição de membro e perigo de morte”[20]
Essas coisas que vimos
neste artigo não foram ditas por um Paulo Leitão ou padre Paulo Ricardo, que
são absolutamente insignificantes em termos de representação da Igreja. Ao
contrário, foram ditas por papas infalíveis, em concílios infalíveis, ou em
bulas infalíveis. A partir do momento em que uma religião proclama como infalível um concílio ou um papa
totalmente preconceituoso contra os judeus e que manda matar os hereges em
qualquer lugar ou torturá-los até o limite da diminuição do membro e do risco
de morte, é que podemos ter alguma noção do fundo do poço em que esta
instituição já chegou.
O historiador Jean
Duché resume toda essa monstruosidade sem fim presente nos próprios interrogatórios da Igreja quando
diz:
“Torturar
um suspeito para obter sua confissão era lhe fazer um favor. Inocêncio IV
autorizou a tortura nos casos extremos, e uma só vez; os inquisidores
concluíram disso que uma só vez por cada interrogatório. Com o chicote, o fogo,
a permanência prolongada no fundo de uma masmorra, assando os pés do acusado
com carvões ardendo, amarrando-o sobre um aparato de tortura e separando-o
docilmente os membros do corpo com a ajuda de uma tesoura..., tinha que ser o
diabo para não obter uma confissão. Certo que o tribunal, em sua sabedoria,
sabia que as confissões assim tiradas não tinham valor; e esta dificuldade se
remediava fazendo com que o acusado as confirmasse três horas depois, bem
entendido que, se se retratasse, poderia voltar a recomeçar a coisa. Esses
entravam em um ciclo perpétuo, e aos que se obstinavam em negar e estavam
convencidos, e aos que haviam confessado seu erro mas haviam recaído nele, os
relapsos, o tribunal os entregava ao
braço secular para sua execução, recordando que a Igreja tinha horror a
todo derramamento de sangue. Por isso os queimavam: assim o sangue não corria;
na Espanha esta cerimônia se chamava um ato de fé, auto da fe”[21]
Em todos estes anos de
apologética, a única coisa que ainda me inquieta é entender como que certos
apologistas católicos, sabendo ser ele um mentiroso, desleal, charlatão,
revisionista e desonesto, consegue colocar a cabeça no travesseiro para dormir à
noite, consciente de que no dia seguinte irá acordar para enganar mais
católicos ingênuos com desculpas que ele sabe que são mentirosas, mas que servem
para ludibriar os incautos na defesa de uma Igreja encharcada de sangue.
Sim, na grande maioria
das vezes, era mesmo o Estado que matava. Mas o Estado era apenas o cão de
guarda da inquisição, cumprindo rigorosamente as ordens de um tirano maior, o
qual é ainda mais responsável pelos crimes cometidos. Diante dos fatos
históricos incontestáveis, dizer que era o Estado e não a Igreja que matava é,
como bem observa Elisson Freire, como dizer que não foi seu cachorro que
mordeu, mas sim os dentes do cachorro.
• Leia também: "A
Inquisição Protestante"
Paz a todos vocês que
estão em Cristo.
-Meus livros:
- Veja uma lista de livros meus clicando aqui.
- Confira minha página no facebook clicando aqui.
- Acesse meu canal no YouTube clicando aqui.
-Não deixe de acessar meus outros blogs:
- LucasBanzoli.Com (Um compêndio de todos os artigos já escritos por mim)
- Apologia Cristã (Artigos de apologética cristã sobre doutrina e moral)
- O Cristianismo em Foco (Artigos devocionais e estudos bíblicos)
- Desvendando a Lenda (Refutando a imortalidade da alma)
- Ateísmo Refutado (Evidências da existência de Deus e veracidade da Bíblia)
- Fim da Fraude (Refutando as mentiras dos apologistas católicos)
[1] Decretos
do Quarto Concílio de Latrão, 1215.
[2] Decretos
do Quarto Concílio de Latrão, 1215, Cânon 3.
[3] ibid.
[4]
ibid.
[5] Decretos
do Terceiro Concílio de Latrão, 1179.
[6] Apud
DUCHÉ, Jean. Historia de la Humanidad II
– El Fuego de Dios. 1ª ed. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1964, p. 365.
[7] Decretos
do Quarto Concílio de Latrão, 1215, Cânon 9.
[8] Decretos
do Quarto Concílio de Latrão, 1215, Cânon 71.
[9] Segundo
Concílio de Latrão, Cânon 23.
[10] Concílio
de Florença, 1431-1445.
[11]
ibid.
[12]
Sobre isso especificamente, eu já escrevi em meu último artigo: http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/12/a-diferenca-entre-os-jihadistas.html
[13] BLAINEY,
Geoffrey. Uma breve história do mundo.
1ª ed. São Paulo: Fundamento Educacional, 2010.
[14] Concílio
de Florença, 1431-1445.
[15] Concílio
de Constança, Sessão 15.
[16]
ibid.
[17] R. W. Thompson, The Papacy and the Civil Power (New
York, 1876), p. 553.
[18] Ignaz
von Döllinger, The Pope and the Council (O Papa e o Concílio). Londres, 1869,
pp. 190-93.
[19] Concil.
Tolosanum, Papa Gregório IX, Anno Chr. 1229, Canons 14:2.
[20] Papa
Inocêncio IV na Bula Ad Extirpanda, Cânon 26.
[21] DUCHÉ,
Jean. Historia de la Humanidad II – El
Fuego de Dios. 1ª ed. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1964, p. 527.
Muito bom artigo Lucas, e pensar que há pessoas que tentam justificar tudo isso afirmando que devemos analisar o contexto em que foi criada a inquisiçã, que ela foi necessária para época e outras sandices.
ResponderExcluirObg. Essa desculpinha "da época" é outra sem vergonhice, visto que a Inquisição ocorreu mais de um milênio após Jesus ter pregado o amor ao próximo, a lei da não-retaliação, o dar a outra face e o guardar a espada, de Paulo ter dito para se submeter às autoridades (e não sujeitá-las à submissão) e que a nossa guerra NÃO É contra a carne e o sangue. Isso também ocorreu séculos e séculos depois que a Igreja primitiva foi perseguida durante trezentos anos, sem oferecer resistência, vivendo pacificamente e apenas apelando pela tolerância do Estado (eles sofriam o mesmo que os não-católicos sofreriam mais tarde).
ExcluirE mesmo naquela época já existiam pregadores da paz, como John Huss, Pedro Valdo, William Tyndale e John Wycliffe, que rejeitavam o uso da espada pela Igreja, e que foram perseguidos e mortos pela mesma. De fato, é difícil achar um povo que fosse mais cruel e violento na Idade Média do que os católicos romanos - a Inquisição e principalmente as Cruzadas demonstram isso irrefutavelmente.
Abs.
Muito bom artigo Lucas! Eu realmente não entendo como os católicos continuam a negar a verdade, mesmo com tantas provas vindas da própria ICAR.
ResponderExcluirEsses concílios são oficiais certo?Qual a desculpa ou pseudo argumento que eles costumam usar quando confrontados com isso Lucas?
Esses concílios são não apenas oficiais, mas "ecumênicos", ou seja, são os concílios mais importantes da ICAR e os considerados "infalíveis" por ela. Eu nem fui nos concílios locais porque, se os ecumênicos já pregavam toda essa monstruosidade, imagine o que os locais não deviam fazer. Eles não tem desculpa, porque a desculpa que eles tinham já foi desmascarada (de que a culpa é só do Estado). A não ser que aleguem que o Estado também fazia certo em matar não-católicos, aí já é demonstração de que perderam todo e qualquer senso de moralidade mesmo, e estão com a mente cauterizada.
ExcluirAí vem uns pedantes desinformados com esse papo furado de "antisemitismo" protestante quando MUITO ANTES,SÉCULOS ANTES DE LUTERO NASCER, a ICR vem praticando barbáries contra os judeus,e TODA A CRISTANDADE paga o pato por causa deles.
ResponderExcluirAdemais,excelente artigo mano Lucas,os romanos revisionistas dissimulados podem até tentar, mas jamais conseguirão tapar os buracos - melhor, as CRATERAS - que a ICR fez ao longo de sua existência, que berrem à vontade, contra FATOS, não há argumentos.
Paz de Cristo.
Lucas,vc tem algum artigo em que mostre uma pancada de Concílios Católicos Romanos que demonstram as sandices,imoralidades e incoerências?Vc sabe o nome daquela doutrina da ICAR que diz que todos que não acatam ao PAPA é cismático?hehehe.Pois eu queria saber como ficariam os católicos defensores do livre mercado e anti comunistas,que teriam de se submeter ao Papa comuna atual.
ResponderExcluirEsse artigo fala um pouco de algumas barbáries, mas infelizmente os prints que eu tinha tirado saíram do ar, porque o site que hospedava as imagens caiu:
Excluirhttp://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2013/05/insanidades-do-catecismo-bulas-e.html
Nos próximos dias vou postar as contradições dos concílios sobre a possibilidade de salvação fora da ICAR.
Até onde eu sei, os católicos não creem que tudo o que o papa fale ou faça é doutrina da Igreja, mas apenas o que ele pronuncia no que concerne à doutrina. Mesmo assim, é uma concepção contraditória, que eu irei explanar em um outro artigo próximo, sobre infalibilidade papal.
Abs!
Olá, Lucas. Qual a sua opinião sobre as profecias de são malaquias ?
ResponderExcluirNão creio em nada disso.
ExcluirSinceramente, eu acho bem convincente. Já que ele preve a destruição de Roma, coisa que nós podemos ver em Ap 17 e 18
ExcluirIsso não é tão difícil assim de prever, visto que mais cedo ou mais tarde todos os grandes impérios do passado caíram, sendo conquistados por outros. De qualquer forma, como para S. Malaquias o próximo papa será Pedro II e será o último, não demorará muito para sabermos se ele tinha razão ou não :)
ExcluirEu dou uma pincelada sobre as contradições dos documentos da ICR nesse artigo:
ResponderExcluirhttp://firmefundamento.comunidades.net/ecumenismo-teorico-romano
Muito bom o artigo. Só discordo da parte que fala que Teodósio declarou o catolicismo romano como religião oficial do Império, mas você mostrou bem a falácia do "ecumenismo" deles.
ExcluirNa verdade Lucas eu falei do cristianismo mano, não do catolicismo em si.
ResponderExcluirÉ que você colocou "[catolicismo romano]", e deu margem para essa interpretação.
ExcluirFoi uma falha de edição do Elisson. Ele que publicou o artigo.
ExcluirEntendido. Abs.
ExcluirA página dollynho puritano n curtiu seu post, rs. Toda hora q algm fala sobre as mortes da inquisição, a primeira coisa que eles escrevem é q o poder secular condenou as pessoas...
ResponderExcluirPois é... não leem nem os próprios concílios da Igreja. Uma pena.
ExcluirVocê já escutou falar sobre a inquisição protestante? Tem algum artigo seu, nunca entendi muito bem. Mas a alguns dias estava procurando e me deparei com artigos dizendo de crueldades da inquisição protestante e coisas assim. O que foi essa inquisição? E ela foi tipo a católica? Mais branda? Ou pior? A Paz de Cristo!
ResponderExcluirNunca existiu inquisição protestante. Leia estes artigos:
Excluirhttp://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/12/a-terrivel-monstruosa-e-abominavel.html
http://www.resistenciaapologetica.com/2015/02/inquisicao-protestante.html
Ou veja este vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=ApIarKMmh38