Inquisição: Processo contra os mortos
Que a Igreja Católica é
aficionada pelos mortos, isso todo mundo já sabe. Há algo nos mortos que a
atrai irresistivelmente, ao ponto de ter inventado a imortalidade da alma, o
culto aos mortos, a oração pelos mortos, a intercessão dos mortos, o limbo e o
purgatório, a missa de sétimo dia, as festas e solenidades em honra dos mortos,
o dia de finados, a reza aos mortos, o uso de velas para os mortos, a missa aos
mortos, a veneração às relíquias (dos mortos), as procissões com imagens (dos
mortos), a canonização dos santos (mortos), e assim por diante. Tudo na Igreja
Católica gira em torno dos mortos, mortos e mortos, beirando uma obsessão
doentia por eles.
Com tanta obsessão pelos mortos,
é óbvio que a Igreja iria usar a Inquisição contra eles também. Como disse
Malucelli, “nem os mortos escapavam da fogueira”[1].
Palma diz que “nem aos mortos perdoava a
Inquisição: diante desse implacável tribunal não valiam prescrições”[2].
Embora o direito civil da época proibisse ações jurídicas contra os
mortos, a Inquisição não queria nem saber: processava o morto e arrancava os
bens de seus descendentes. Sobre isso, o inquisidor Nicolau Eymerich escreve no
manual:
Embora em Direito Civil seja uma
regra geral que a ação contra o condenado finda com a sua morte, não tem esta
lei lugar em matéria de heresia, por causa da enormidade deste crime. Poderá
proceder-se contra um herege mesmo depois da morte, e declará-lo como tal, para
efeitos de confiscação de bens. Tirem os bens àquele que os possua, até a
terceira geração, e os apliquem em favor do Santo Ofício.[3]
Aqueles prisioneiros da
Inquisição que morriam antes de irem para a fogueira no auto da fé (geralmente
se matando no cárcere ou morrendo em função das torturas) também não escapavam
da fogueira. Eles eram queimados em efígie, como explica Peña. O propósito
disso era justamente «aterrorizar o povo»:
Em caso de condenação por contumácia,
é interessante fazer uma imagem da pessoa, afixando-se o nome e a condição do
condenado, e entregá-la ao braço secular para ser queimada, exatamente como se
faria se o acusado estivesse presente. Não saberia dizer de quando data este
admirável costume de queimar os contumazes em suas efígies. Trata-se,
certamente, de uma prática posterior à época de Eymerich, senão, ele falaria
disso no manual. Não há muitos indícios dessa prática na obra de outros
especialistas anteriores à Eymerich que trataram do procedimento inquisitorial.
Prática bastante louvável, cujo efeito aterrorizante sobre o povo é evidente, e
que voltará a ser tratada quando se examinar a questão dos processos contra
cadáveres.[4]
Bethencourt confirma que “esses condenados eram representados por estátuas
individualizadas, vestidos de sambenitos com as insígnias e os retratos dos
relaxados”[5].
Peña decreta que “persegue-se até quarenta anos
depois do falecimento”[6].
Mesmo se os herdeiros fossem católicos e «cuidassem com a maior boa vontade dos
bens do herege», “serão despojados em proveito do
fisco eclesiástico ou civil”[7].
E em 1488, o famoso Torquemada ordenou que os filhos e netos dos hereges já
falecidos fossem banidos de todos os cargos oficiais[8].
Ainda falando de mortos, a
Inquisição excomungava quem desse sepultura a um herege. E se tal coisa
acontecesse, a pessoa era obrigada a desenterrar o corpo em público e com as
próprias mãos[9].
Nem os mortos eles deixavam dormir em paz. Até o apologista católico João
Gonzaga, tão acostumado a mentir para salvar a Inquisição, admite neste caso:
Cabe observar ainda que o fato de já
haver falecido não poupava um herege à merecida punição. Se se suspeitava que
alguém, já morto, fora herege, abria-se o processo inquisitorial, onde ele
podia ser condenado às sanções cabíveis, inclusive à pena máxima. Desenterrado
então o cadáver, ou o que deste restasse, realizava-se macabro cortejo pelas
ruas, até o patíbulo, onde era procedida à incineração.[10]
Leonardo Boff, também católico,
comenta:
Outro exemplo charmoso é o processo
contra mortos denunciados de heresia. Para isso, “não há limite de tempo”, diz
o manual [de Eymerich]. O morto é processado. Se condenado, lança-se o anátema
sobre sua memória: “Os filhos dos hereges serão declarados infames e inaptos a
qualquer cargo público ou privilégio” (parte III, 22). E a efígie do condenado
já falecido é queimada publicamente. Outras vezes, como os próprios autores do
manual contam, exumavam-se os cadáveres e abriam-se os processos contra eles.
Sob o papa Clemente VI (1342-1352), por exemplo, em Béziers, foi exumado, por
ordem deste papa beneditino, o cadáver do frei Pedro João, dos franciscanos
menores. Acusado publicamente de herege, o frade já morto foi condenado,
quebraram-lhe os ossos e os queimaram (parte I, 12).[11]
Todo mundo conhece a história do
pré-reformador John Wycliffe, que, já morto, foi condenado herege pelo Concílio
de Constança, em 1418. Mas isso não era suficiente: o referido concílio mandou
abrir o sepulcro do reformador, queimar seus restos mortais e jogar as cinzas
em um córrego perto de Lutterworth[12].
Neste caso, os inquisidores chegaram tarde demais para queimá-lo enquanto vivo,
mas como eram muito esforçados e competentes conseguiram chegar a tempo de
queimar seu cadáver. A Inquisição não brincava em serviço.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
- Extraído do meu livro: "A Lenda Branca da Inquisição".
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)
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[1] MALUCELLI,
Laura; FO, Jacopo; TOMAT Sergio. O livro
negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2007.
[2] PALMA,
Ricardo. Anais da Inquisição de Lima.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 33.
[3] EYMERECH,
Nicolau. O manual dos inquisidores.
Lisboa: Edições Afrodite, 1972, p. 85.
[4] EYMERICH,
Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos
Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 181.
[5] BETHENCOURT,
Francisco. História das Inquisições:
Portugal, Espanha e Itália – Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p. 258.
[6] EYMERICH,
Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos
Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 198.
[7]
ibid.
[8] GREEN,
Toby. Inquisição: O Reinado do Medo.
Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007.
[9]
ibid, p. 195.
[10] GONZAGA,
João Bernardino Garcia. A inquisição em
seu mundo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 141.
[11] EYMERICH,
Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos
Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 18.
Prefácio.
[12] TORNELL,
Ricardo Vera. Historia de la Civilización
– Tomo I. 1ª ed. Barcelona: Editorial Ramón Sopena, 1958, p. 650.
Anti-First!
ResponderExcluirMas Lucas, foi a ICAR mesmo quem inventou a imortalidade da alma? Até Calvino defendia essa doutrina... '-'
Quando eu falei sobre isso me referia a trazer essa doutrina para dentro do Cristianismo e tratá-la como dogma. Ensinar, os gregos já ensinavam desde a época de Platão, mas essa doutrina nunca foi unanimidade nem dentro e nem fora do Cristianismo. Aristóteles e Epicuro criam na mortalidade da alma (Platão era mais influente que eles e por isso sua visão prevaleceu no mundo helenista).
ExcluirE bem antes que Calvino os chamados "pré-reformadores" eram majoritariamente mortalistas, entre eles William Tyndale, os valdenses e os anabatistas. O próprio Lutero aderiu ao mortalismo anos depois de romper com a ICAR, mas ele não dogmatizava a este respeito, e por isso a doutrina de Calvino prevaleceu entre os reformados (Calvino era enfático e dogmático a este respeito).
Eu falo algo sobre estes assuntos em meu livro "Os Pais da Igreja contra a Imortalidade da Alma":
http://lucasbanzoli.no.comunidades.net/os-pais-da-igreja-contra-a-imortalidade-da-alma
Os papas dos séculos passados com toda a mais absoluta certeza não eram sequer cristãos, e almejavam o papado simplesmente porque tinham sede pelo poder, muitos deles chegaram literalmente a comprar o cargo ou a vendê-lo (simonia). Famílias influentes da aristocracia lutavam entre si pelo poder, disputando quem iria ocupar o cargo, e ao chegar no poder o papa ajudava a sua família dando-lhes terras e riquezas. Era tudo um jogo político mafioso.
ResponderExcluirClaro que essa realidade antiga passa longe dos papas modernos. Eu não duvido que os papas atuais sejam católicos sinceros; afinal de contas, há muito católico que realmente acredita nas asneiras que a Igreja Romana impõe, que estão sinceramente enganados, e alguns deles podem se tornar cardeais e então papas. Eu não penso que o papa Francisco seja um "falso católico", ele crê na fé dele, mas sabe reconhecer os erros e as atrocidades históricas da Igreja, coisa que os apologistas ralés aqui do Brasil não sabem fazer. Mas mesmo sendo católicos sinceros, os papas modernos SABEM que não são infalíveis, eles tem plena consciência de que mudaram tradições históricas da Igreja como por exemplo o fato de que só há salvação na ICAR e o tratamento dispensado aos protestantes e outros grupos não-católicos.
Abs!
LUCAS VOCE CONHECE O PASTOR PAULO JUNIOR DA IGREJA ALIANÇA DO CALVARIO O QUE VOCE ACHA DA FORMA COMO ELE PREGA A PALAVRA. ABS!
ResponderExcluirSim, respondi sobre isso há poucos dias a um outro leitor. Esse pastor prega muito bem, é certamente um dos melhores do Brasil. Ele me lembra muito o Paul Washer, no estilo e no foco de pregação. Precisamos de mais gente como ele e menos dos que estão na TV.
ExcluirOs papas modernos modificaram a doutrina de salvação apenas na ICAR? Ou seja, finalmente reconheceram que é Jesus Cristo o único Salvador, e não uma igreja, seja ela qual for?
ResponderExcluirContinuando com a ICAR, eu estaria errado em dizer que eles seguiram o caminho de Balaão, assim como outras igrejas?
A paz de Cristo! Único Senhor e Salvador!
ICAR = Instituto Caótico de Adoração Rude
ResponderExcluirPostei #Anti-First! duas vezes :O
ResponderExcluirVocê viu o vídeo do pastor Malafaia no youtube, em que ele diz que, se um pastor de uma igreja evangélica é corrupto, o membro dessa igreja deve apenas sair sem denunciar o pastor? Caso não tenha visto, veja uma parte aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=fHf023uiCWY
O Caio Fábio disse que o Silas Malafaia é um católico, mas ele é um católico medieval enquanto o atual papa é um papa moderno.
O que você acha disso?
Abraço!
Eu não gosto de nenhum destes dois (Malafaia e Caio Fábio), por razões diferentes. Mas se o Silas disse isso mesmo, foi uma das maiores besteiras que ele já pregou na vida. É um absurdo, algo completamente repudiável. O membro da igreja não apenas pode denunciar, mas tem a OBRIGAÇÃO de denunciar o pastor nestes casos. Tentar proteger os corruptos não me soa bem, é que nem aquele ditado: "Quem protege ladrão é ladrão".
ExcluirSobre este tema recomendo a leitura deste meu livro:
http://lucasbanzoli.no.comunidades.net/o-enigma-do-falso-profeta
Abs!
Como posso me arrepender de um pecado no qual eu gostei?
ResponderExcluirPeça perdão a Deus e não o cometa mais.
ExcluirOlá, Gilberto. O fato é que a Igreja Romana atual já abre espaço para a salvação de não-católicos, algo que era completamente inadmissível e impensável nos tempos da Idade Média e Moderna. O padre Paulo Ricardo, por exemplo, inventou até um oitavo sacramento, o da "ignorância", apenas para poder encaixar não-católicos no céu. Eu escrevi sobre isso aqui:
ResponderExcluirhttp://heresiascatolicas.blogspot.in/2015/12/afinal-ha-salvacao-fora-da-igreja.html
Mas ela em momento nenhum afirmou que "só Jesus salva". Além de crerem que a Igreja (Romana) também salva, muitos teólogos romanistas já creem na co-redenção de Maria, o que faz dela salvadora junto com Cristo. Ou seja, Maria salva, a Igreja Romana salva, e Jesus, ali no cantinho, "também".
Abs!
Essa introdução ficou boa demais:
ResponderExcluir"Que a Igreja Católica é aficionada pelos mortos, isso todo mundo já sabe. Há algo nos mortos que a atrai irresistivelmente, ao ponto de ter inventado a imortalidade da alma, o culto aos mortos, a oração pelos mortos, a intercessão dos mortos, o limbo e o purgatório, a missa de sétimo dia, as festas e solenidades em honra dos mortos, o dia de finados, a reza aos mortos, o uso de velas para os mortos, a missa aos mortos, a veneração às relíquias (dos mortos), as procissões com imagens (dos mortos), a canonização dos santos (mortos), e assim por diante. Tudo na Igreja Católica gira em torno dos mortos, mortos e mortos, beirando uma obsessão doentia por eles".
Realmente, Lucas, a igreja católica é uma igreja de mortos. Sejam vivos ou mortos, todos estão mortos.
Parece que ela reclama não estar viúva em Apocalipse 18:7: "Estou assentada como rainha, e não sou viúva, e não verei o pranto".
Ela é viúva sim: O Jesus dela está morto! Ela sempre o apresentou morto.
Jesus ressuscitou dentre os mortos com evidências irrefutáveis, bíblicas e históricas. Acho que é por isso que o catolicismo
Não dá muita ênfase para pessoa dele. Aliás, se ele tivesse permanecido no túmulo como os outros muitos santos, com certeza o catolicismo não faria esforço nenhum para colocá-lo no céu como o São Jesus!
Excelente, Alon!
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