Uma introdução às torturas da Inquisição
Quase tão abominável e cruel
quanto as fogueiras dos autos da fé, eram as câmaras de tortura da Inquisição.
Por incrível que pareça, ainda hoje existem católicos que negam que a
Inquisição torturava pessoas, enquanto outros afirmam que isso acontecia “muito
raramente”, e ainda outros alegam que as famosas máquinas e instrumentos de
tortura jamais existiram, sendo isso parte da “lenda negra”. Por fim, os
apologistas católicos destacam que as torturas da Inquisição eram muito mais
leves do que as do poder civil.
Por isso, neste capítulo
começarei reportando os tipos de tortura que a Inquisição usava, depois
abordarei o tempo e a frequência que as pessoas eram torturadas, e finalmente sobre
quem era passível de tortura, para
ver se a Inquisição era mesmo tão mais clemente que o poder civil de sua época.
Então entenderemos o porquê que, por muito tempo, a Igreja quis esconder a
realidade das câmaras de torturas da Inquisição. O historiador católico W. H.
C. Friend escreveu:
Quando Napoleão conquistou a Espanha
em 1808, um oficial polonês do seu exército, coronel Lemanouski, registrou que
os dominicanos (a cargo da Inquisição) se trancaram em seu mosteiro em Madrid.
Quando as tropas de Lemanouski forçaram a entrada, os inquisidores negaram a
existência de quaisquer câmaras de tortura. Os soldados revistaram o mosteiro e
as descobriram sob os pisos. As câmaras estavam cheias de prisioneiros, todos
nus, muitos loucos. As tropas francesas, acostumadas à crueldade e sangue, não
conseguiram segurar seus estômagos diante da visão. Esvaziaram as câmaras de
tortura, jogaram pólvora sobre o mosteiro e o explodiram.[1]
Hoje, a Igreja já não consegue
mais esconder do povo a realidade das câmaras de tortura, e talvez por isso
tenha mudado de tática e alegado que “a Inquisição torturou pouco”. São
numerosos os documentos eclesiásticos oficiais que prescreviam a tortura, desde
bulas papais até manuais da Inquisição. O primeiro papa a aprovar a tortura
inquisitorial para extrair confissão foi Inocêncio IV na bula Ad extirpanda (1252), onde manda torturar «até o limite da
diminuição do membro e perigo de morte»:
Além disto, que a Autoridade ou
Dirigente seja obrigado a forçar todos os hereges, os que tiver capturado, a
confessar seus erros expressamente, como verdadeiramente ladrões e homicidas de
almas, e surrupiadores dos sacramentos de Deus e da fé cristã, e a acusar
outros hereges, os que conhecem, e os crentes e os receptadores, e os
defensores deles, assim como são forçados os surrupiadores e os ladrões das
coisas temporais, a acusar seus cúmplices e a confessar os malefícios que
fizeram, até o limite da diminuição de
membro e perigo de morte.[2]
De acordo com o teólogo católico
romano Richard P. McBrien, Inocêncio IV seguia o princípio maquiavélico de
que “o fim justifica os meios”[3].
Ou seja, valia tudo para salvar a fé católica, sem pensar em nada na dignidade
da vítima. Este mesmo princípio maquiavélico dos fins justificarem os meios
também foi largamente compartilhado e posto em prática por todos os regimes
genocidas totalitários do século XX, o que inclui o fascismo, o nazismo e o
comunismo. Nestes sistemas, tal como na Inquisição, os direitos da vítima
também eram tranquilamente violados para se alcançar o objetivo final do
sistema tirânico.
Peña manda torturar o suspeito
de heresia se ele fingisse ignorar o valor dos sacramentos[4], se
ele desse respostas discrepantes[5],
se houvesse “indícios”[6] e
mesmo se não houvessem[7],
pois o que importava era arrancar confissões[8].
Eymerich prescrevia até mesmo o “veredicto da tortura”, que era assim:
O veredicto da tortura é assim: “Nós,
inquisidor etc, considerando o processo que instauramos contra ti, considerando
que vacilas nas respostas e que há contra ti indícios suficientes para levar-te
à tortura; para que a verdade saia da tua própria boca e para que não ofendas
muito os ouvidos dos juízes, declaramos, julgamos e decidimos que tal dia, a tal
hora, será levado à tortura”.[9]
Peña sublinhou que a pessoa
levada a tortura deveria ser “completamente
despida”[10], o que nada mais
era senão um eufemismo para não falar da exploração das partes íntimas do
corpo, uma vez que Eymerich já havia sido suficientemente explícito quanto à
nudez da pessoa que é levada à tortura[11].
E se você pensa que a Igreja ordenava a tortura de consciência pesada e a
contragosto, está muito enganado. Os inquisidores tinham prazer no sofrimento
das suas vítimas. Peña chegava a dizer: “Louvo o
hábito de torturar os acusados, principalmente nos dias atuais, em que os
infiéis se mostram mais cínicos que nunca”[12].
Além do prazer pelo sofrimento
alheio e da obsessão por extrair uma confissão de culpa do réu, outra razão
pela qual os inquisidores costumavam torturar suas vítimas é porque era uma
forma de mostrar que eles tinham razão em considerá-la culpada do crime. Lembre-se
que, como vimos no capítulo anterior, o réu era considerado culpado a priori. O inquisidor tinha apenas que
convencê-lo de que era mesmo culpado, e para isso precisava arrancar uma
confissão da sua própria boca, por todos os meios possíveis. Como Baigent
escreve, “uma vez que nenhum Inquisidor gostava de
ser visto como tendo cometido um erro, usava-se todo subterfúgio possível para
extrair ou extorquir uma confissão”[13].
Os apologistas católicos
argumentam que um médico acompanhava as sessões de tortura, e que isso “prova”
que a Igreja era misericordiosa. Em primeiro lugar, o problema da tortura é o
sofrimento que causa à vítima, e ninguém ao ser torturado sofre menos por saber
que tem um médico ao lado. A tortura não é ruim por ter ou não ter médico, ela
é má em si mesma. Além disso, deve-se
destacar que o poder civil da época, que os católicos descrevem da forma mais
assombrosa e maligna possível forçar um contraste com a Inquisição, também
torturava com o acompanhamento de um médico, o que prova que isso não era
bondade da Inquisição.
Em terceiro lugar, a razão pela
qual havia um médico acompanhando as sessões de tortura não é porque a Igreja
era boazinha (se fosse, não permitira a
própria tortura). É porque ela não queria que o réu morresse antes de
expiar inteiramente a sua falta no auto da fé. A forma que a Igreja assassinava
suas vítimas era muito pior e mais dolorosa do que qualquer morte na tortura[14],
e se os prisioneiros morressem na tortura não restaria ninguém para comparecer
aos autos da fé, a cerimônia oficial que a Igreja considerava muito importante,
onde julgava e queimava o herege publicamente, a fim de aterrorizar as massas.
Este efeito seria inexistente se os hereges morressem antes.
Isso é tão verdade que até o
historiador católico João Gonzaga, tão citado pelos romanistas, admite o fato:
Na maioria dos casos, um cirurgião ou
um barbeiro assistia a aplicação da tortura para apreciar o grau de sofrimento
do paciente e julgar se ele se achava em estado de suportar mais. Não constituía isso uma ação humanitária,
mas não se queria que o acusado expirasse antes de haver expiado inteiramente
sua falta.[15]
Passaremos agora a refutar a
outra mentira católica: a lenda de que os instrumentos de tortura jamais
existiram.
Continua...
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
- Extraído do meu livro: "A Lenda Branca da Inquisição".
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)
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[1] W.H.C.
Friend, The Rise of Christianity (Philadelphia, 1984), p. 707.
[2] Bula
Ad extirpanda, Parágrafo 26.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34779/bula-ad-extirpanda-traducao
[3] Richard P.
McBrien. Os Papas – Os Pontífices de São
Pedro a João Paulo II. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 441.
[4] EYMERICH,
Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos
Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 53-54;
[5]
ibid, p. 125.
[6]
ibid.
[7]
ibid, p. 210.
[8]
ibid, p. 72.
[9]
ibid, p. 153.
[10]
ibid, p. 156.
[11]
ibid. Nota do editor.
[12]
ibid, p. 211.
[13] BAIGENT,
Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição.
Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 51.
[14]
Falaremos mais sobre isso no capítulo 10 deste livro, que aborda os autos da fé e as
execuções nele presentes.
[15] GONZAGA,
João Bernardino Garcia. A inquisição em
seu mundo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 34.
Lucas porque houve a reforma protestente? O papa que liderava a igreja romana era Alexandre VI que foi considerado o pior papa da história? E tetzel que enganava as pessoas vendendo indulgências
ResponderExcluirNa verdade o papa da época de Lutero era Leão X, e não Alexandre VI. Mas nessa época praticamente todos os papas eram imorais e gananciosos, nenhum se salvava. A Igreja era corrupta até o pescoço e Tetzel vendendo a salvação a dinheiro era apenas um dos sintomas dessa podridão. A Reforma não era apenas importante, era OBRIGATÓRIA. Não reformar a Igreja naquelas circunstâncias seria um crime moral.
ExcluirAnti-First!
ResponderExcluirLucas,
ResponderExcluirEstou gostando da sua série de artigos sobre a Inquisição. Recentemente, um católico me falou que a Inquisição era apenas para combater a heresia dos cátaros. Gostaria que você dissertasse mais sobre isso.
Abraço,
Álvaro
Isso só mostra o quanto os católicos estão completamente despreparados e desqualificados para qualquer debate sobre a Inquisição. São completos ignorantes. Os cátaros foram exterminados em 1321, e a Inquisição espanhola só foi fundada em 1478. Ou seja, para este católico, a Inquisição perseguiu cadáveres e fantasmas apenas...
ExcluirA Inquisição perseguiu judeus, muçulmanos, protestantes, cátaros, valdenses, grupos cismáticos menores (ex: beguínos, fraticellis, hussitas, a "seita dos 12 apóstolos", etc) e até mesmo católicos que "falhavam" em alguma questão de fé. Basicamente, qualquer pessoa que contrariasse algum ponto de fé católico era passível de ser queimada pela Inquisição. Sobre isso, eu já escrevi aqui:
http://heresiascatolicas.blogspot.in/2016/06/quem-era-perseguido-pela-inquisicao.html
Abs!
Lucas o que teria acontecido se não tivesse tido a Reforma protestante? Como estaria tudo hoje? O que teria acontecido se não tivesse tido as cruzadas e a inquisição? É verdade que se nao fosse as cruzadas e a inquisição o cristianismo tinha acabado e se reduzido a nada.
ResponderExcluirQuem afirma que "se não fosse pelas Cruzadas e a Inquisição o Cristianismo teria acabado" mostra que é um completo ignorante e analfabeto em história. As Cruzadas foram um movimento FRACASSADO, que perdeu a disputa com os muçulmanos pela terra santa (que já era dos muçulmanos), e só um abestado poderia dizer que um movimento que FRACASSOU militarmente foi o responsável pelo SUCESSO e salvação da civilização ocidental. Se no mínimo os cruzados tivessem ganhado, a história poderia ser diferente. Quem realmente salvou a civilização ocidental (ou parte dela) foi Carlos Martel, que impediu que os muçulmanos tomassem a França. Os cruzados, séculos mais tarde, não fizeram nada além de fracassar em uma terra distante que nunca foi deles e que nunca será. É uma vergonha atribuir qualquer mérito às Cruzadas, que unicamente manchou o nome e a história do Cristianismo para sempre. Mas sobre isso eu já escrevi bastante no meu livro sobre as Cruzadas, se você quiser pode baixar aqui:
Excluirhttps://mega.nz/#!qgYhDIoK!h7QJuEHxMr0NUpzs82unQc-g2MsBC7g9wm5DNf5HPYA
Agora, pior do que dizer que as Cruzadas salvaram o Cristianismo, é dizer que a INQUISIÇÃO salvou o Cristianismo. Isso já chega a ser doença mental. Os países que não foram afetados pela Inquisição (como foram Itália, Portugal e Espanha) continuaram cristãos e ainda são cristãos até hoje, mesmo sem a Inquisição botar um pé lá. Tudo o que a Inquisição fez foi tentar salvar o CATOLICISMO ROMANO (ou seja, o paganismo, não o Cristianismo) na base da força, da violência, do vandalismo e da coerção, obrigando os não-católicos a se converterem ou morrerem na fogueira. Isso nunca foi Cristianismo e nunca será. A França, que foi pouco afetada pela Inquisição, tem hoje mais católicos do que a Espanha, que teve a Inquisição mais rigorosa da história. E os países latinos que não tiveram a presença da Inquisição permaneceram tão católicos quanto os que tiveram Inquisição. Isso prova que a Inquisição não serviu para porcaria nenhuma, exceto para assassinar pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus e apregoar o terror. No fim das contas, serviu enormemente para envergonhar o Cristianismo e manchar sua história, em vez de "salvá-lo".
E se não tivesse tido a Reforma Protestante, como estaria tudo hoje ?
ResponderExcluirViveríamos numa Idade Média sem fim, onde um papa reina soberanamente sobre o poder temporal e espiritual, levanta exércitos para esmagar seus oponentes e cria tribunais eclesiásticos para julgar o crime de liberdade de pensamento.
ExcluirSerá mesmo, Lucas? Acho que a história tem várias variáveis, é difícil saber o que terria ocorrido se não tivesse ocorrido a Reforma. Talvez outra pessoa tivesse reformado a igreja. Talvez não. Acho que só saberemos no céu. :)
ExcluirEu ia dizer isso, que se Lutero não fizesse a Reforma outra pessoa iria fazer mais cedo ou mais tarde, era inevitável, como eu já afirmei outras vezes. Mas eu entendi sua pergunta como sendo no sentido de que ninguém nunca fizesse a Reforma, ou seja, se as coisas permanecessem sempre como já eram. Então seria do jeito que eu descrevi mesmo.
ExcluirEu acho que o Iluminismo teria mais força.
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