Refutando astronauta católico (IV): Policarpo cria na imortalidade da alma?
Continuando a sessão de refutações ao astronauta
embusteiro, chegamos agora a Policarpo (80-155), o bispo de Esmirna. Se você
chegou até aqui sem ter lido as refutações anteriores, sugiro fortemente que as
veja antes de continuar lendo este artigo.
Não temos muita a coisa a refutar sobre Policarpo
porque o astronauta passou apenas três textos, sendo dois deles ligados à
linguagem de “fogo eterno”, a qual eu já expliquei em meu artigo anterior sobre
Inácio (clique aqui
para ler). Resta-nos então o terceiro texto, que é o que diz:
“Portanto, eu vos exorto a todos, para
que obedeçais à palavra da justiça e sejais constantes em toda a perseverança,
que vistes com os próprios olhos, não só nos bem-aventurados Inácio, Zózimo e
Rufo, mas ainda em outros que são do vosso meio, no próprio Paulo e nos demais
apóstolos. Estejam persuadidos de que nenhum desses correu em vão, mas na fé e
na justiça, e que eles estão no lugar que lhes é devido junto ao Senhor, com o
qual sofreram. Eles não amaram este mundo, mas aquele que morreu por nós e que
Deus ressuscitou para nós”[1]
No entanto, mesmo considerando que este texto seja
legítimo e não uma inserção posterior feita por copista (o que não era nada
raro), ainda assim não há nada nele que prove de forma definitiva que Policarpo
cria na consciência pós-morte em um estado intermediário antes da ressurreição.
Ele poderia perfeitamente ser um psicopaniquista, que é uma vertente do
mortalismo que ensina os mortos já estão na presença Deus, mas em um estado
inconsciente, levando a linguagem bíblica do “dormir” mais literalmente do que
os mortalistas clássicos (tal é o caso, por exemplo, do erudito luterano Oscar
Cullmann). Poderia também ser algo semelhante à linguagem de Paulo, quando
disse que os crentes que morreram “dormem em Cristo” (1Co.15:18), em
contraste com os outros mortos (sem Cristo), que somente “dormem”. Estar com
Cristo neste sentido não implica em qualquer “imortalidade da alma”.
Há ainda a possibilidade de que ele estivesse falando
na perspectiva do tempo kairós e não
do chronos, ou seja, que eles estão
com Deus na perspectiva de Deus, embora no tempo chronos da nossa perspectiva temporal tal fato só se concretize na
ressurreição dos mortos. É sempre importante ressaltar que a ressurreição
ocorre em um piscar de olhos na perspectiva de quem já morreu, uma vez que não
existe “tempo” entre a morte e a ressurreição, pois o tempo só faz sentido se
for aplicado a alguém que está vivo (conceito este que eu explano melhor no
“Apêndice 1” deste artigo).
De uma forma ou de outra, o texto pode ser entendido sob uma perspectiva
mortalista, mesmo que não seja uma inserção de copista feita numa época em que
a Igreja já cria em imortalidade da alma.
Há várias evidências que nos mostram que isso não é
apenas uma possibilidade (leitura
alternativa ao texto), mas de fato algo seguro, ou, no mínimo, bastante
provável. Isso porque em todas as correspondências de Policarpo fica muitíssimo
claro que ele esperava entrar no Reino e desfrutá-lo de fato apenas depois da
ressurreição. A carta de Inácio a Policarpo é uma das maiores evidências disso.
Como já vimos, Inácio esperava se encontrar com Policarpo não em um estado
intermediário, mas depois da ressurreição:
”Uma vez que a Igreja de Antioquia da
Síria está em paz, como fui informado, graças à vossa oração, fiquei mais
confiante na serenidade de Deus, se com o sofrimento eu o alcançar, para ser encontrado na ressurreição como
vosso discípulo”[2]
Na mesma carta, há uma descrição bastante
interessante, onde ocorre uma sequencia lógica na qual a posse do Reino só é
vinda depois do “despertar” (ressurreição):
“Atendei ao bispo, para que Deus vos
atenda. Ofereço minha vida para os que se submetem ao bispo, aos presbíteros e
aos diáconos. Possa eu, com eles, ter parte em Deus. Trabalhai uns com os
outros e, unidos, combatei, lutai, sofrei, dormi
[na morte], despertai [na ressurreição], como administradores, assessores e
servidores de Deus”[3]
Note que Inácio não estava citando eventos
aleatoriamente, e sim seguindo uma ordem
lógica, na qual cita primeiro os eventos terrenos (combate, luta e sofrimento
na fé), depois a morte apenas com o eufemismo do “dormir” (sem nenhuma
conotação maior que isso), depois o despertar da ressurreição e, só então, é que estaremos como
“administradores, assessores e servidores de Deus” (na presença dEle). Este texto
é mortal para os imortalistas porque mostra que Inácio não cria que na morte
(antes da ressurreição) já estaremos na presença de Deus, mas somente depois de
“despertar” (um eufemismo bíblico para a ressurreição). A morte é encarada
meramente como um estado de “sono”, e a atividade
e consciência é somente depois
que despertarmos deste sono (i.e, quando ressuscitarmos dos mortos).
Se a correspondência entre Inácio e Policarpo indica
que a consciência no pós-morte só se dava através da ressurreição, a própria
epístola de Policarpo aos filipenses não fica por menos. Policarpo demonstra
uma escatologia claramente pré-milenista (contrária à que é ensinada hoje pela
maioria esmagadora dos católicos) ao dizer que apenas os justos ressuscitam
quando Jesus voltar:
“Por isso, cingi vossos rins e servi a
Deus no temor e na verdade, abandonando as palavras vãs e o erro de muitos,
crendo naquele que ressuscitou nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos e lhe deu a
glória e o trono à sua direita. Tudo o que existe no céu ou na terra lhe está
submisso; tudo o que respira o celebra, a ele que vem como juiz dos vivos e dos
mortos, e de cujo sangue Deus pedirá contas àqueles que não confiam nele. Aquele
que o ressuscitou dos mortos também nos ressuscitará, se fizermos a sua vontade, se caminharmos em seus mandamentos, e
se amarmos o que ele amou, abstendo-nos de toda injustiça, ambição, amor ao
dinheiro, maledicência, falso testemunho, não retribuindo o mal com o mal,
injúria com injúria, golpe com golpe, maldição com maldição”[4]
Note que Policarpo diz que Deus nos ressuscitará na
volta de Jesus, se fizermos a vontade dele. Isso mostra que ele não cria que
todos os mortos (justos e ímpios) ressuscitarão na volta de Jesus (como ensina
a Igreja Romana), mas sim que na volta de Jesus somente os justos ressuscitarão
(os demais ressuscitam apenas depois do milênio). Isso refuta a escatologia
amilenista que coloca os “santos” no Céu durante o “milênio” que supostamente
já estaria acontecendo.
Policarpo diz também que Deus nos dará em troca o
“tempo futuro” como retribuição pela nossa perseverança nesta vida. Qualquer
católico prosseguiria o texto dizendo que isso ocorre imediatamente após a
morte e antes mesmo da ressurreição, mas Policarpo prossegue o texto dizendo
que isso acontece na ressurreição dos mortos:
“De igual forma, que os diáconos sejam
irrepreensíveis diante da justiça dele. São servidores de Deus e de Cristo, e
não dos homens. Que não caluniem, nem sejam dúplices nem amantes do dinheiro.
Sejam castos em todas as coisas, misericordiosos, zelosos, andando segundo a
verdade do Senhor, que se tornou servidor de todos. Se o aguardarmos neste
mundo, ele nos dará em troca o tempo
futuro, pois ele nos prometeu ressuscitar-nos dentre os mortos, e, se a
nossa conduta for digna dele, também reinaremos com ele, se tivermos fé”[5]
Perceba que a posse deste “tempo futuro” está
diretamente relacionada com a ressurreição
dos mortos, e não com a suposta separação da alma após a morte. Policarpo
não diz que “Deus nos dará em troca o tempo futuro, pois nossa alma se separará
do corpo e assim reinaremos com Ele”, mas sim que Deus nos dará o tempo futuro
quando ele nos ressuscitar, e então reinaremos com Deus. Mais uma vez,
Policarpo segue a ordem lógica e sequencial dos fatos que deixa totalmente de
fora qualquer possibilidade teológica da alma ser imortal e habitar
conscientemente com Deus antes da ressurreição.
Essa sequencia também é apresentada no seguinte texto
da mesma carta:
“Quem não confessa que Jesus Cristo veio
na carne, é anticristo; aquele que não confessa o testemunho da cruz, é do
diabo; aquele que distorce as palavras do Senhor segundo seus próprios desejos,
e diz que não há ressurreição, nem
julgamento, esse é primogênito de satanás”[6]
Observe que mais uma vez o julgamento ocorre após a ressurreição na sucessão de
eventos (se a alma fosse imortal este julgamento já teria acontecido, no
momento em que ela se separa do corpo). Ao lermos os escritos de Policarpo, uma
coisa fica bem clara, e esta coisa é a sequencia lógica de eventos que envolvem:
(a) vida terrena; (b) morte; (c) ressurreição; (d) julgamento; (e) posse do Reino.
A obra “O Martírio de Policarpo” (que não foi escrita
por ele, mas décadas mais tarde, fazendo menção ao que foi dito por ele
instantes antes da morte) preserva a seguinte citação de Policarpo quando este
já estava a apenas um passo da morte no estádio:
“Eu te bendigo por me teres julgado
digno deste dia e desta hora, de tomar parte entre os mártires, e do cálice de
teu Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma e do corpo, na
incorruptibilidade do Espírito Santo”[7]
Quatro coisas saltam aos olhos nesta menção. Primeiro,
Policarpo cria na ressurreição da alma e do corpo, e não meramente na
ressurreição do corpo. Segundo, a “incorruptibilidade” que ele diz (e que no
grego é aphthrsia, que também
significa “imortalidade”[8])
só viria depois desta ressurreição “da alma e do corpo”, pois é
mencionada depois desta. Terceiro, ele esperava que a posse da vida eterna
fosse posterior à ressurreição, pela
mesma razão.
Por último, mesmo estando a poucos instantes da morte,
Policarpo não nos traz qualquer expectativa de que sua alma saísse do corpo,
mas faz menção apenas à ressurreição como o meio pelo qual ele chegaria a
Cristo. Fica claro que toda a esperança de Policarpo quanto à realidade da vida
futura se dava não em um estado incorpóreo desencarnado, mas na promessa de
Jesus relacionada à ressurreição dos mortos no último dia. Ele morria
vislumbrando este dia futuro da ressurreição, ainda que bem mais próximo e
iminente do que parece, uma vez que não há sensação de passagem de tempo para
quem morreu, e assim a ressurreição se dá instantaneamente em seguida na
perspectiva do ressuscitado.
Davis Park corretamente assinala:
“De acordo com a oração de Policarpo, ele
sabia que iria ser ressuscitado para a vida eterna, e isso significa que,
embora ele fosse morrer naquele dia pelo fogo, seu corpo e alma seriam trazidos
juntos de volta no retorno de Jesus, e tornados imortais pelo poder do Espírito
Santo. Com esta compreensão e conhecimento da derrota da morte como a sua
vitória com base na morte de Jesus, ele poderia enfrentar a ameaça de bestas e
ser queimado vivo com coragem. Ele seria, assim, coroado com a imortalidade,
como uma fiel testemunha de Cristo. Ele sabia que a morte seria apenas
temporária”[9]
E, assim, não vemos nenhuma base para fundamentarmos
uma doutrina antibíblica em cima de um
único verso que, se interpretado isoladamente à maneira imortalista,
contraria toda a evidência extraída
de Policarpo, que era claramente condicionalista.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por
Cristo e por Seu Reino,
Lucas
Banzoli (www.lucasbanzoli.com)
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[1]
Policarpo aos Filipenses, 9:1.
[2] Carta
de Inácio a Policarpo, 7:1.
[3] Inácio
a Policarpo, c. 6.
[4] Policarpo
aos Filipenses, 2:1-3.
[5] Policarpo
aos Filipenses, 5:2.
[6] Policarpo
aos Filipenses, 7:1.
[7] O
Martírio de Policarpo, 14:2.
[8] De
acordo com o léxico da Concordância de Strong, 861.
Sim, mas como são muitas coisas, vou precisar de tempo.
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