Os discípulos podiam perdoar pecados?
A
Igreja Romana baseia seu ensino da confissão auricular em cima de João
20:22-23, que diz:
“Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei
o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados;
àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos”
(João 20:22-23 – Versão Ave-Maria)
Com
base nisso, ela declara que os sacerdotes romanos têm autoridade para reter ou
perdoar os pecados efetivamente, sendo meios pelos quais devemos passar para
obtermos o perdão dos nossos pecados. Os evangélicos, no entanto, entendem que
podemos confessar nossos pecados diretamente a Deus.
Linha 1
|
Linha 2
|
Os
discípulos poderiam perdoar ou reter efetivamente os pecados individuais
|
Os
discípulos proclamam o perdão ou a retenção do perdão dos pecados através do
Espírito Santo
|
Antes
de entrarmos na análise de João 20:22-23 em si, é necessário analisarmos a
veracidade ou não da crença que os católicos baseiam em vista deste texto, que
é a confissão auricular. Se esta doutrina for falsa, dificilmente João 20:22-23
estaria dizendo aquilo que os romanistas insistem que está. Para entendermos o
quão gritantemente antibíblica é a doutrina da confissão auricular, basta ver o
que um dos mais proeminentes apologistas católicos no Brasil, Alessandro Lima,
afirmou:
“O desejo de Cristo de que o perdão dos pecados deve ser obtido
através da Igreja é bem claro. É um
grande erro crer que o pecado pode ser confessado diretamente a Deus. Não
foi este o desejo do Nosso Senhor. Da mesma forma que sem Cristo não há perdão,
sem a Igreja também não há, já que ela é o Cristo na terra”[1]
Sim,
foi isso mesmo o que você leu. Não se assuste. É um “grande erro” crer que o
pecado possa ser confessado diretamente a Deus!
Não
obstante, para qualquer leitor honesto da Bíblia, muitos dos mais
extraordinários personagens bíblicos cometeram este “grande erro”, como Davi,
que disse:
“Confessei-te o meu
pecado, e a minha maldade não encobri. Dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a
maldade do meu pecado" (Salmos 32:5)
Ou
Davi estava mentindo, ou os pecados podem ser confessados direto a Deus!
Esdras,
outro grande errôneo, igualmente afirmou:
“Agora confessem ao
Senhor, o Deus dos seus antepassados, e façam a vontade dele”
(Esdras 10:11)
No
Novo Testamento, vemos Jesus dizendo:
“Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está no secreto.
Então seu Pai, que vê no secreto, o recompensará” (Mateus 6:6)
Não
há sequer uma única linha ou prescrição na Bíblia ordenando os fieis a
confessarem seus pecados secretos aos sacerdotes, como um pré-requisito
imprescindível para encontrar o perdão divino. Isso seria realmente absurdo
caso o perdão dos pecados (algo indispensável para a salvação) dependesse da
aprovação de um sacerdote. Ao contrário, vemos Jesus dizendo claramente:
“Venham a mim, todos
os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso”
(Mateus 11:28)
Se
confessarmos os nossos pecados diante de Deus, “ele
é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça”
(1Jo.1:9). Ao invés de João dizer que se alguém pecar tem o sacerdote
para fazer a confissão, ele diz que “se alguém
pecar temos um advogado para com o Pai,
Jesus Cristo, o justo” (1Jo.2:1).
A
interpretação papista das passagens selecionadas por eles na tentativa de
colocar o conceito deles de confissão auricular na Bíblia
são absurdamente contrárias ao bom senso e à boa exegese. A mais usada está em
Tiago 5:16, que diz:
“Portanto, confessem os
seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para serem curados. A
oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tiago 5:16)
Qualquer
principiante em exegese consegue perceber claramente que o texto não está
falando nada sobre confessar o pecado ao
sacerdote em específico, mas sim sobre confessar “uns aos outros”, ou seja,
entre nós mesmos. Tiago não disse: “confessem seus
pecados ao sacerdote”, mas sim: “confessem
seus pecados uns aos outros”.
Se o termo “uns aos outros” deve ser entendido como sendo “somente ao
sacerdote”, então deveríamos entender também que João queria que amássemos
somente os sacerdotes quando disse: “amem uns aos
outros” (1Jo.4:7).
Enquanto
os pecados pessoais (secretos) devem ser confessados exclusivamente a Deus e
ninguém mais precisa saber deles, os pecados que cometemos contra outras
pessoas exigem que peçamos perdão também para a própria pessoa, e os pecados
que afetam coletivamente um grupo (como quando um tesoureiro rouba o dinheiro
das ofertas) exigem que se peça perdão a todo este grupo que esteve envolvido.
Esta é a fórmula bíblica na questão do pecado:
"Se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti
e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; mas, se não te ouvir, leva ainda
contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a
palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também
não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano” (Mateus
18:15-17)
Mesmo
quando alguém cometia um pecado público, que envolvia toda a comunidade, quem
exercia juízo e punição sobre ele não era o sacerdote em especial, mas o voto da maioria da própria comunidade:
“Se alguém tem causado tristeza, não o tem causado apenas a mim,
mas também, em parte, para eu não ser demasiadamente severo, a todos vocês. A punição que lhe foi imposta pela
maioria é suficiente. Agora, pelo contrário, vocês devem perdoar-lhe e
consolá-lo, para que ele não seja dominado por excessiva tristeza”
(2ª Coríntios 2:5-7)
E
é digno de nota o fato de Paulo dizer que perdoava aquele a quem “vocês” (no
plural, se referindo às pessoas a quem ele escrevia a carta) perdoaram:
“Se vocês perdoam a
alguém, eu também perdôo; e aquilo que perdoei, se é que havia alguma coisa
para perdoar, perdoei na presença de Cristo, por amor a vocês, a fim de que
Satanás não tivesse vantagem sobre nós; pois não ignoramos as suas intenções”
(2ª Coríntios 2:10-11)
Ele
não disse: “se o sacerdote perdoou, eu também
perdôo”, mas sim: “se vocês perdoaram,
eu também perdôo”. Há uma diferença enorme entre uma coisa em outra. O
resumo do que a Bíblia ensina sobre isso é o seguinte:
•
Pecados secretos e pessoais só precisam ser confessados para Deus.
•
Pecados que envolvem alguma outra pessoa devem ser confessados a Deus e também
a esta pessoa (ex: alguém que adulterou tem que confessar seu pecado à sua
esposa).
•
Pecados que envolvem toda uma comunidade devem ser confessados diante de toda a
comunidade, e o perdão e a punição dependem da decisão da comunidade que foi
ofendida, e não do sacerdote em especial.
Tendo
isso em mente, voltemos então à análise de João 20:22-23. Embora algumas
traduções coloquem o tempo verbal no futuro, o texto grego original está no
particípio perfeito passivo, como pode ser visto na tradução do Novo Testamento
Interlinear:
"E isto tendo dito (depois de dizer isto), soprou em (eles)
e diz-lhes: Recebei Espírito Santo ([o] Espírito Santo). Se de alguns (de quem
quer que) perdoeis (perdoais) os pecados, perdoados foram a eles (perdoados
lhes hão sido); se de alguns (de quem quer que) retenhais (retendes), retidos
foram (hão sido retidos)” (João 20:22-23)
O
teólogo Charles B. Williams, erudito do grego bíblico, nos informa que “o verbo no texto original está no particípio perfeito
passivo, referindo-se a um estado de já
ter sido proibido ou permitido”[2].
Assim sendo, podemos inferir que, ao receberem o Espírito Santo, os discípulos
poderiam afirmar que os pecados de alguém foram perdoados, porque realmente já foram perdoados, e que os pecados de alguém não
foram perdoados, porque de fato não foram.
Como
vemos, não é o fato dos discípulos proclamarem que alguém está perdoado que
torna alguém perdoado; ao contrário, é o fato de alguém já ter sido perdoado que
faz com que os discípulos, sob a orientação e revelação do Espírito Santo,
possam declarar que a pessoa já está perdoada. Da mesma forma, se não
perdoarem, é porque a pessoa não foi perdoada por Deus. A ênfase é que a ação
do perdão está no passado ou em andamento, mas não no futuro, conforme a
teologia católica. O texto não está nem de longe dizendo que o perdão dos
pecados está condicionado ao fato de um padre querer perdoar ou não, e muito menos
com o pagamento de penitência, de 10 rezas do Pai Nosso e de 55 “Ave-Marias”
para o recebimento do perdão!
Os
sacerdotes têm o discernimento de proclamar o perdão dos pecados para aqueles
que foram perdoados por Deus, e de reterem os pecados daqueles que não foram
perdoados. Não se trata de reter o perdão de alguém que foi perdoado ou de
perdoar aquele que não foi, mas sim de proclamar aquilo que Deus já decidiu
através da Sua Palavra, com o discernimento do Espírito Santo. Por exemplo, se
alguém disser que está vivendo com uma amante e que não está disposto a largar
dela, o sacerdote deve proclamar que os pecados daquela pessoa estão retidos,
porque ela está vivendo deliberadamente em condição pecaminosa. Dizer que os
pecados dessa pessoa estão perdoados é simplesmente iludi-la.
Por
outro lado, se alguém já não está vivendo no pecado e busca o perdão com
sinceridade, o anúncio do perdão deve ser proclamado. O perdão ou a falta dele,
efetivamente, já foi decidido por Deus, e é essa a razão do particípio perfeito
passivo. A tarefa do sacerdote não é decidir o que Deus já decidiu, mas
meramente de proclamar a decisão que
Deus já tomou, sendo orientado por meio do Espírito Santo e dos princípios
cristãos em cada caso. Os sacerdotes são comunicadores da Palavra do Senhor, e
não mediadores da graça, como se para
obter o perdão fosse necessário passar primeiro pela figura do sacerdote
religioso.
A
interpretação católica do texto não apenas corrompe seu significado, mas se
mete em enormes e drásticas consequencias práticas. Samuel Vila citou um caso
em seu livro:
“Recordo o caso de um jovem católico degenerado e pervertido,
que era alvo de muitas e severas repreensões por parte de seu confessor, mas
ele continuava entregue ao pecado, até que um dia, cansado de se zangar em vão,
este piedoso sacerdote sentiu em sua consciência que não podia dar a absolvição
a quem de tal maneira estava brincando com o sacramento da confissão, e assim
reteve o perdão. O jovem se levantou emburrado do confessionário, mas logo ao
pisar na rua pensou: ‘Bom, não faltaria na Igreja sacerdotes que queiram me
absolver’. Com efeito, foi se confessar a outro clérigo que não conhecia sua
história, e recebeu a absolvição. Então ele ficou tranquilo e satisfeito,
seguro de que havia sido perdoado”[3]
Sob
a perspectiva católica, este jovem realmente foi perdoado, porque o sacerdote
pode efetivamente perdoar os pecados,
ainda que o indivíduo viva atolado no pecado pensando que basta se confessar
depois e pronto: resolvido! Sob a mesma ótica, como bem mostrou Vila, o poder
de “reter os pecados” se torna completamente inútil, uma vez que qualquer outro
sacerdote de outra paróquia daria a absolvição, anulando a decisão do padre
anterior. Não é preciso ser muito inteligente para saber que Jesus não estava
falando nada disso em João 20:22-23. Quem perdoa os pecados efetivamente é só
Deus (Mc.2:7), e por isso quem brinca com o pecado será inevitavelmente
condenado (Gl.6:7).
O
poder que Jesus soprou especificamente sobre os seus discípulos era para
reconhecer a legitimidade do perdão diante de Deus ou o não-perdão. O tempo
verbal no grego deixa implícito que a pessoa não iria receber o perdão no futuro, depois de já ter pago os 10
Pais-Nosso e as 55 Ave-Marias, mas sim no
passado, isto é, se ela já se arrependeu verdadeiramente diante de Deus, em
um arrependimento e quebrantamento de coração diante Daquele que é o único que
pode efetivamente perdoar os pecados, pois só Ele conhece o coração do homem
para saber se o arrependimento foi sincero ou não.
Jesus
nunca pediu o pagamento da
penitência católica a alguém quando perdoou pecados. O que ele sempre dizia
era: “vá, e não peques mais” (Jo.8:11), e
não: “vá, reze 25 Ave-Marias e o rosário, e então estará perdoada”! Após
declarar perdoados os pecados do paralítico (Mc.2:5), ele não disse nada sobre
penitências que deveriam ser pagas dali em diante, para realmente receber este
perdão divino. A única condição para o perdão era o arrependimento
simples e genuíno, nunca o pagamento
de indulgências.
A
oração com fé já é suficiente para Deus perdoar os pecados. Tiago disse:
“E a oração da fé salvará
o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados”
(Tiago 5:15)
Aqui,
claramente quem cura e perdoa é Deus, e a única condição exposta para isso é a oração de fé.
Jesus
também disse:
“E ele lhe disse: Filha, a
tua fé te salvou; vai em paz, e sê curada deste teu mal"
(Marcos 5:34)
O
que “salvou” a mulher não foi o pagamento de penitência após a confissão, mas
sim a sua fé.
Deve-se
observar também que os discípulos só tiveram o poder de declarar alguém já
perdoado (ou não-perdoado) por Deus depois de receberem o sopro do
Espírito Santo (Jo.20:22). Mas a Igreja Romana afirma que até mesmo um
sacerdote que esteja pessoalmente envolvido em pecado mortal pode ainda perdoar pecados no confessionário:
"A Igreja pede que um sacerdote que absolva um penitente
esteja em estado de graça. Isto não quer dizer, entretanto, que um sacerdote em
estado de pecado mortal não possua o poder de perdoar pecados ou que, quando
exercido, não seja eficaz para o penitente"[4]
Isso
significa que até mesmo um padre pedófilo pode continuar perdoando os pecados da
criança a quem molestou, assim como os pecados das outras pessoas! Ele pode ser
adúltero, estuprador, assassino ou um pervertido sexual que pode continuar
perdoando pecados de forma legítima, e de fato nenhum leigo poderá saber se o
sacerdote para quem está confessando está envolvido nestes pecados ou não! Mas,
biblicamente, os discípulos só puderam reconhecer o perdão dos pecados depois
de possuírem o Espírito Santo (Jo.20:22),
algo que pedófilos e adúlteros não possuem – Judas, por exemplo, não poderia
perdoar, mesmo se quisesse.
Pensemos,
portanto, no dilema que a confissão auricular do catolicismo nos proporciona.
Um padre em pecado mortal não poderia legitimamente perdoar os pecados de
ninguém, pois não possui o Espírito Santo, já que o Espírito Santo só habita em
pessoas santificadas por Deus. Assim sendo, milhares de fieis que se confessam
diante de padres pedófilos na verdade não tem seus pecados legitimamente
perdoados, já que o padre em questão não está em posição legítima diante de
Deus para perdoar os pecados. Mas nenhum católico sabe exatamente qual padre é
pedófilo e qual não é, nem se está em pecado mortal em uma vida dupla ou se
está em santidade.
O
resultado disso é que o católico nunca poderia saber realmente quando foi perdoado ou não, se o perdão dos pecados
depende da figura do sacerdote para quem se confessou. Pior ainda, durante todo
o tempo em que se confessou a um padre pedófilo não foi perdoado e não teria
nem como ser perdoado, já que ele não pode pedir perdão direto a Deus, mas tem
que passar pelo sacerdote pedófilo! A conclusão é terrível: o católico não
poderia ser perdoado!
Em
contrapartida, os cristãos não precisam se preocupar com isso, já que confessam
seus pecados diante de Jesus Cristo, o nosso verdadeiro e único advogado no Céu
(1Jo.2:1), aquele que viveu de forma imaculada na terra (Hb.4:15), que morreu
pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação (Rm.4:25), e que
intercede por nós junto ao Pai (Rm.8:34). Assim, nós não precisamos nos
preocupar com a figura de um homem pecador, nem se o nosso pastor está vivendo
em santidade ou em pecado, pois sabemos que Aquele para quem nos confessamos é “Santo, Santo, Santo, e toda a terra está cheia da sua
glória” (Is.6:3).
Podemos
simplesmente nos arrepender de coração puro e sincero diante de Deus, dispostos
a mudar de vida, e então descansar no Senhor, em confiança, sabendo que o preço
pago por Jesus naquela cruz “nos purifica de todo o
pecado” (1Jo.1:7). É Ele quem nos ouvirá, quem nos perdoará e quem nos
santificará no curso de nossa caminhada cristã, pois nós “não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se
das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem
pecado” (Hb.4:15).
Como
é bem sabido, a confissão auricular era absolutamente desconhecida pelos Pais
da Igreja, e só foi inventada como dogma no Concílio de Latrão, em 1215,
durante o pontificado do papa Inocêncio III. As tentativas dos apologistas
católicos em distorcerem as declarações patrísticas em favor da confissão
auricular nos primeiros séculos é tão risível que até o ex-padre católico Chiniquy
teve que explicar:
“Sei que os defensores da confissão auricular apresentam aos
seus incautos ouvintes várias passagens dos escritos dos Santos Pais, onde se
diz que os pecadores iam diante de um sacerdote ou de um bispo para confessar
seus pecados: mas é um modo desonesto de apresentar o fato – pois é evidente
para todos os que conhecem um pouco da história da Igreja daqueles tempos que
aquilo se refere apenas às confissões públicas das transgressões públicas por
meio do ofício da penitenciaria... que era assim: Em cada grande cidade, um
sacerdote ou um ministro era especialmente encarregado de presidir os encontros
da igreja, em que os membros que tivessem cometido pecados públicos eram
obrigados a vir e confessar publicamente diante da assembléia, para ser
restaurado em seus privilégios como membro da igreja... isso estava
perfeitamente de acordo com o que Paulo recomendou no tocante ao indivíduo envolvido
no caso de incesto em Corinto; aquele pecador, que envergonhou o nome dos
cristãos, após confessar e expor seus pecados diante da igreja, obteve o
perdão, não de um sacerdote, para quem tivesse contado todos os detalhes do
relacionamento incestuoso, mas de toda a igreja reunida... Há tanta diferença
entre tais confissões públicas e as confissões auriculares quanto entre o Céu e
inferno, entre Deus e seu grande adversário, Satanás”[5]
Ele
também observa que nas Confissões de Agostinho “é
inútil procurar no livro uma única palavra sobre a confissão auricular. Aquele
livro é um testemunho indiscutível de que tanto Agostinho quanto sua santa mãe,
Mônica, que é mencionada freqüentemente, viveram e morreram sem nunca terem ido
a um confessionário. Aquele livro pode ser chamado de a mais esmagadora
evidência para provar que 'o dogma da confissão auricular' é uma impostura
moderna”[6].
Agostinho
(354-430) contestou a ideia de que o homem fosse capaz de fazer alguma coisa
para se curar espiritualmente, ou perdoar os pecados de seus irmãos:
"O que devo fazer com os homens para que devam ouvir minhas
confissões, como se pudessem curar minhas enfermidades? A raça humana é muito
curiosa para conhecer a vida das outras pessoas, mas muito preguiçosa para
corrigi-la”[7]
Em
suas Confissões, ele diz também:
“Assim, pois, minha confissão em Tua presença, Deus meu, é calma
e não silenciosa; calma quanto ao ruído (das palavras), clamorosa quanto à fé”[8]
“Que tenho, pois, eu a ver com os homens, para que ouçam minhas confissões,
como se eles fossem sarar todas as minhas enfermidades?”[9]
Em
outra obra, ele escreve:
“Eu confessarei meus pecados a meu Deus; e ele me perdoará todas
as iniquidades do meu coração; não é com a boca, senão unicamente com o
coração, como esta confissão há de ser feita. Ainda não abri minha boca para
confessar os pecados e já estão perdoados, porque Deus ouviu verdadeiramente a
voz do meu coração”[10]
E,
por fim, ele declara:
“Por que iria eu expor aos homens as chagas da minha alma? É o
Espírito Santo que perdoa os pecados; o homem não pode fazer isso porque tem
necessidade de médico da mesma maneira que aquele que nele busca remédio. E se
me dizes: ‘Como se realiza a promessa que Cristo fez aos apóstolos, que tudo o
que desligares na terra será desligado nos céus?’, contesto que o Senhor
prometeu enviar seu Espírito, por meio do qual deveriam ser perdoados os
pecados. É o Seu Espírito que Ele envia, e nós somos seus servos. Como o
Espírito Santo é Deus, então é Deus quem perdoa os pecados, e não vós”[11]
João
Crisóstomo (347-407) é ainda mais explícito ao dizer repetidas vezes que não
nos confessamos a homens, mas somente a Deus:
“Não pedimos que confesse seus pecados a qualquer um de seus
semelhantes, mas apenas a Deus... Você não precisa de testemunhas para sua
confissão. Reconheça secretamente seus pecados e permita que somente Deus ouça
a confissão”[12]
“Não é necessário que haja testemunho algum de vossa confissão.
Reconhecei vossas iniquidades, e que Deus somente, sem que ninguém o saiba,
ouça vossa confissão”[13]
“Assim, eu vos suplico e os conjuro a confessar seus pecados a
Deus constantemente. Eu não os demando, de nenhuma maneira, que confessem seus
pecados aos homens: é a Deus a quem vocês devem mostrar as chagas de vossa
alma, e somente a Ele vocês devem esperar a cura. Ide a Ele, e Ele não os
rechaçará. Ele conhece tudo”[14]
“Confessai vossos pecados todos os dias em vossa oração... o que
pode nos fazer duvidar de obras assim? Eu não os mando a ir confessar a um homem
pecador como vocês, que poderia desprezá-los se lhes contassem vossas faltas;
mas conte elas a Deus, que pode perdoá-las”[15]
“Dize-me: Por que vocês têm vergonha de confessar seus pecados?
Por acaso alguém os obriga a revelá-los a um homem, que poderia desprezá-lo?
Alguém pede que vocês se confessem a um de vossos semelhantes, que poderia
publicá-los e desonrá-los? A única coisa que demandamos é que mostrem vossas
chagas a vosso Mestre e Senhor, que é vosso amigo, vosso guardião e vosso
médico”[16]
Comentando
o Salmo 37, Basílio (329-379) também assinala:
“Não venho diante do mundo para fazer uma confissão com minha
boca. No entanto, fecho os olhos, e confesso meus pecados do fundo do meu
coração. Diante de ti, ó Deus, derramo meus lamentos, e apenas tu és a
testemunha. Meus gemidos estão dentro da minha alma. Não há necessidade de
muitas palavras para confessar: pesar e arrependimento são a melhor confissão.
Sim, as lamentações da alma, que te agradam ouvir, são a melhor confissão”[17]
Jerônimo
(347-420), em sua carta ao presbítero Nepociano, escreve:
“Não esteja nunca sozinho com mulher, sem testemunha ocular. Se
você tem alguma coisa particular para falar, que fale a alguma outra pessoa da
casa: donzela, viúva ou casada, e não seja tão ignorante das regras de
conveniência, para ousar comunicar coisas que aos outros não comunicaria”[18]
Além
disso, ao analisarmos a história dos primeiros Pais e santos da Igreja, nada
sobre confissão auricular é mencionado. O historiador eclesiástico Teófilo Gay
corretamente alega:
“Todos os Pais da Igreja dos primeiros quatro séculos viveram
sem se confessar segundo o sistema católico-romano e sem haver tampouco se
confessado a ninguém. Na vida dos santos posteriores a Inocêncio III
(1161-1216) frequentemente encontramos menções de que eles se confessavam, mas
nas dos santos anteriores àquela época não existe nem a mais mínima menção da
confissão”[19]
Alguns
exemplos que podemos citar rapidamente são: (a) Paulo de Tebas, de quem temos
detalhes sobre sua vida, mas nenhuma linha sobre confissão auricular; (b) Maria
do Egito, de quem temos relatos sobre suas orações e jejuns, mas nada sobre se
confessar a um sacerdote; (c) Cipriano, que teve sua vida detalhada por Pôncio,
onde novamente nenhuma descrição de confissão auricular é feita; (d) Gregório e
Basílio de Cesareia, que foram biografados por Gregório de Niceia, que jamais
mencionou uma única confissão deles a um sacerdote; (e) João Crisóstomo, que
foi detalhadamente biografado por Teodoreto, o qual também jamais mencionou coisa
alguma sobre confissão auricular; (f) Ambrósio, que foi biografado por Paulino;
(g) Martín de Tours, que teve a história da sua vida escrita por Sulpício
Severo – em nenhuma biografia há
qualquer relato sobre confissão particular dos pecados a um sacerdote[20].
Finalmente,
a confissão auricular do catolicismo resulta em vergonha e medo por parte
daqueles que se veem obrigados a se confessar diante de um homem pecados que
não confessaria nem ao seu melhor amigo. Rebecca A. Sexton fala sobre isso nas
seguintes palavras:
“Essa falsa doutrina provoca culpa, vergonha, medo, desgraça,
imoralidade sexual e hipocrisia naqueles que precisam participar dela. O medo e
culpa ocorrem porque uma jovem não pode expor diante de qualquer homem coisas
que não ousaria revelar às suas melhores amigas. Vergonha e desgraça ocorrem se
ela confessar esses pecados secretos. O abuso de mulheres solitárias, mal
orientadas e espiritualmente fracas por seus confessores é reconhecido pela
Igreja Católica (...) Em muitos outros incidentes na vil história da confissão auricular,
os sacerdotes usaram o confessionário para seduzir e destruir mulheres jovens e
maduras, casadas e solteiras. O confessionário tem sido usado para encontrar os
indivíduos mais fracos que então passam a ser controlados e/ou molestados pelo
confessor”[21]
Não,
Deus não deseja que passemos por medo e vergonha na exposição de nossas vidas
diante de um desconhecido que se coloca no lugar de Cristo. Ele deseja que nos
confessemos diante do próprio Senhor Jesus, a quem podemos chegar com
confiança, diante de seu trono de graça, e não diante de um confessionário para
um homem pecador:
“Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente
a nossa confissão. Porque não temos
um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado,
mas sem pecado. Cheguemos, pois, com
confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e
achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno”
(Hebreus 4:14-16)
É
como disse João Crisóstomo:
“O que devíamos mais admirar não é que Deus perdoa nossos
pecados, mas que não os expõe para ninguém, nem deseja que façamos isso. O que
requer de nós é que confessemos nossas transgressões a ele somente para
obtermos o perdão”[22]
Em
suma, a evidência esmagadora é que não existia confissão auricular particular a
um sacerdote como nos dias de hoje, uma vez que ninguém interpretava João
20:22-23 de forma tão completamente errônea como faz a Igreja Romana atual. A
prova mais irrefutável de que nem mesmo Pedro entendeu as palavras de Jesus da
maneira papista está em Atos 8:22, texto no qual Simão Mago se mostra
arrependido diante dele, e este responde:
“Arrependa-se dessa maldade e ore ao Senhor. Talvez ele
lhe perdoe tal pensamento do seu coração” (Atos 8:22)
Pedro,
ao invés de “perdoar” ou “reter o perdão” a Simão, fez exatamente aquilo que
todo evangélico faz, pedindo que a pessoa confesse seu pecado diretamente a
Deus. A atitude de Pedro demonstra claramente que ele não entendeu as palavras
de Cristo em João 20:22-23 como uma referência à moderna confissão auricular
católica, nem tampouco se insurgia contra a confissão de pecados diretamente a
Deus como ocorre hoje nas igrejas evangélicas, uma vez que ele próprio
determinou isso a Simão Mago.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
-Meus livros:
- Veja uma lista completa de livros meus clicando aqui.
- Acesse o meu canal no YouTube clicando aqui.
-Não deixe de acessar meus outros sites:
- LucasBanzoli.Com (Um compêndio de todos os meus artigos já escritos)
- Apologia Cristã (Artigos de apologética cristã sobre doutrina e moral)
- O Cristianismo em Foco (Artigos devocionais e estudos bíblicos)
- Desvendando a Lenda (Refutando a imortalidade da alma)
- Ateísmo Refutado (Evidências da existência de Deus e veracidade da Bíblia)
- Estudando Escatologia (Estudos sobre o Apocalipse)
- Fim da Fraude (Refutando as mentiras dos apologistas católicos)
[2] Charles B. Williams. The New Testament: A Translation.
[3]
Samuel Vila. A las Fuentes del Cristianismo.
[4]
Peace of Soul (Paz da Alma), Bispo
Fulton J. Sheen, 136; 1949; McGraw Hill, Nova York.
[5]
O Sacerdote, a Mulher e o Confessionário.
Chiniquy, pág. 116.
[6]
ibid.
[7]
Confissões, Livro III.
[8] Confissões,
Livro X, c. 2.
[9] Confissões,
Livro X, c. 3.
[10] Homília
sobre o Salmo 31.
[11] Sermão
99, De Verb. Evang. Lucas 7.
[12]
De Paenitentia, volume IV.
[13] Homília
sobre o arrependimento, tomo IV, coluna 901.
[14] Homília
V, Sobre a natureza incompreensível de
Deus. Vol. I, pág. 490.
[15] Homília
sobre o Salmo 1.
[16] Homília
sobre Lázaro, tomo I, pág. 757.
[17]
Comentários ao Salmo 37.
[18] Epíst.
a Nepociano, vol. 2, pág. 203.
[19] Diccionario
de Controversia, pág. 143.
[20]
Pare ler mais sobre a confissão auricular nos Pais da Igreja, confira em: http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/08/os-pais-da-igreja-contra-confissao.html
Lendo um dos seus artigos vc disse que Irineu de Lião era adepto do sola scripture...no entanto, quando Irineu estava vivo o cânon nem havia se formado. Ou seja, não existia Bíblia. Como então Irineu pode ser adepto de algo que nem existia? Me mostre qual era o Novo Testamento que Irineu seguia
ResponderExcluirRefutado:
Excluirhttp://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/09/nao-existia-escritura-na-epoca-de.html
Volte sempre.
Interessante os aspectos que você relata sobre a confissão, principalmente os deletérios. Em algumas igrejas, principalmente pentecostais - essas abertas em qualquer garagem alugada, é comum assistir a verdadeiros espetáculos de confissão pública de pecados privados, individuais, desses que só se contam a Deus. Já presenciei isso. É um episódio degradante, sinceramente. As pessoas fazem fila, pegam o microfone no púlpito e, diante da igreja lotada, conta o pecado que cometeu. Detalhe: elas pedem perdão à IGREJA e não a Deus! Mais ou menos assim: "Peço perdão à igreja porque menti, falei mal do irmão tal, fui falso com não sei quem, me masturbei etc. etc." Um chegou a dizer que já teve relações homossexuais (sendo casado!). Outro que fez sexo com a irmãzinha tal....Terrível! A igreja totalmente desmoralizada diante de todos, principalmente visitantes...Esse caso é pior do que contar só pro padre no confessionário!
ResponderExcluirEu congrego há mais de vinte anos em igrejas pentecostais e NUNCA vi nada do tipo que você mencionou. É triste ter que constatar que os tridentinos fanáticos, sem conseguirem refutar nada do artigo, são forçados a empregar FALSO TESTEMUNHO para tentar passar a noção de que o pentecostalismo é tão corrompido quanto o catolicismo. E mesmo que em alguma ocasião específica isso tenha ocorrido em alguma igreja pentecostal dentre as centenas de milhares que há no Brasil, esta não é uma prática oficial e INSTITUCIONALIZADA, como é na Igreja Católica. Pior ainda é você zombar das igrejas evangélicas por algumas delas estarem em "fundo de quintal". Você deve pensar que os primeiros cristãos se reuniam em templos luxuosos como a Basílica de São Pedro, aposto. Pobre coitado.
Excluirviado protestante
ExcluirTá nervosinho?
ExcluirEste blog deve ter irritar muito, não é?
Nossa esta matéria é muito pertinente, vou estudar mais acerca desse assunto, realmente isso me soa estranho ter de ir a um sacerdote se confessar se eu posso fechar meus olhos e falar diretamente com Deus, e não é por nada não, mais tem muita gente que peca descontroladamente e depois vai lá e pede perdão, é comum algumas pessoas "Darem ou comerem" o ano todo ai na semana Santa entram em "conversão" as vezes tenho a leve impressão que mesmo com todas essas divisões no meio Evangélico e cada igreja crendo numa coisa, ainda sim algumas delas parecem ser mais fieis a Bíblia e a Deus do que as Igrejas Milenares.
ResponderExcluirLucas, você já pensou em falar sobre a missa católica? vários católicos dizem que já existia missa nos primeiros séculos quase igual como existia desde o séc. XVI (missa tridentina), e que Pio V apenas organizou e padronizou a missa para evitar abusos litúrgicos, além de manter alguns outros ritos com mais de 200 anos, como o rito ambrosiano e o rito bracarense.
ResponderExcluirExiste também uma intensa discordância entre grupos católicos tradicionalistas com outros mais modernistas em relação à missa nova. Os tradicionalistas não aceitam a missa nova, pois alegam que houve uma ruptura com a tradição, assim como aconteceu no Concílio Vaticano II.
Posso escrever, obrigado pela sugestão!
ExcluirÉ bom mencionar que a missa é o que existe de mais importante na fé católica, seguida de perto pelo rosário. Os tradicionalistas mordem-se mais pela missa nova do que pelo próprio Concílio Vaticano II.
ExcluirOlá dono do site você participa de alguma denominação religiosa ou se envolve com alguma religião?
ResponderExcluirSou da Comunidade Alcance, uma igreja evangélica.
Excluir