As invasões árabes justificam as Cruzadas?
• A mentalidade de conquista
territorial
O argumento mais popular
oferecido pelos revisionistas modernos para as Cruzadas é o de que o movimento
foi apenas uma contraofensiva às invasões muçulmanas que já ocorriam há
séculos. Assim, eles pretendem dar um caráter “defensivo” às Cruzadas. O
problema com este argumento é que em momento algum o papa Urbano II (que
convocou a Primeira Cruzada) ou qualquer dos outros pregadores das Cruzadas fez
qualquer menção às invasões árabes como motivo para “contra-atacar”. Há várias
menções aos peregrinos que supostamente estariam enfrentando problemas na
Palestina, mas um silêncio sepulcral quanto a este suposto argumento.
A grande questão, portanto, fica
sendo: Por que nem o papa Urbano II nem qualquer pregador da cruzada jamais fez
menção às invasões árabes como o motivo pelo qual estariam entrando em batalha?
Qualquer argumento do tipo certamente elevaria os ânimos dos soldados e lhes
daria bem mais vontade para continuar lutando. No entanto, nada sobre as invasões
muçulmanas é mencionado ao longo de todos os longos discursos papais.
Claramente, os revisionistas estão inventando um argumento que cairia bem para
os dias de hoje, mas que jamais foi evocado para aquela época.
A primeira razão pela qual o
papa não fez menção às invasões muçulmanas como pretexto para atacar Jerusalém
é porque os muçulmanos, basicamente, não estavam tomando seus territórios, mas
quase sempre invadiam e estavam em guerra com o Império Bizantino, oriental.
Juan Brom escreve:
Muito rapidamente os árabes
conquistam uma região extensa. Caem em suas mãos Mesopotâmia, Síria e outras
partes do Império Bizantino. Também conquistam a Pérsia, que sempre havia
resistido aos romanos. Dominam o Egito, onde fundam a importante cidade do Cairo.
Chegam a sitiar Constantinopla, mas não podem vencer suas fortes muralhas.[1]
Nem a Mesopotâmia, nem a Síria,
nem o Egito, nem Constantinopla fazia parte do império comandado pelo papa
Urbano II. As únicas terras ocidentais momentaneamente tomadas pelos muçulmanos
foram Portugal e Espanha, e o papa não pareceu ligar para isso, pois quis fazer
uma cruzada à terra de Jerusalém, que nunca foi dele e que já estava em posse
dos muçulmanos há mais de 400 anos. Se alguém tinha o direito de se sentir
lesado pelas conquistas árabes era o Império Bizantino e o patriarca ortodoxo,
mas não o papa romano, que jamais possuiu as terras conquistadas pelos árabes.
Nenhum país cristão que lutou nas Cruzadas foi lesado pelas conquistas
muçulmanas. Quem foi lesado foi o Império Bizantino, que nem assim quis uma
Cruzada contra os muçulmanos, mas apenas um punhado de mercenários contratados.
Como, pois, entender que nem o
principal lesado pelas conquistas árabes, os bizantinos, estavam a favor de uma
guerra em tal escala contra os muçulmanos? Para entender isso, é necessário
compreender a mentalidade de conquista territorial da época. No século XXI,
qualquer país que queira tomar as posses de outro é considerado um invasor e é
julgado por isso diante da opinião mundial, mas na Idade Média, bem como na
Idade Antiga, a conquista territorial fazia parte da mentalidade de todo e
qualquer país que tivesse um mínimo de poderio militar. Era essa a razão pela
qual mesmo entre os países cristãos havia constantes lutas pelo território.
O historiador Christopher Brooke
sustenta que “eram comuns as alianças entre
muçulmanos e cristãos, e as lutas entre cristãos ainda mais correntes”[2].
Quando Urbano II organizou a Primeira Cruzada, “estava
em aberta disputa com os reis da França e da Alemanha, e o rei da Inglaterra,
que não o reconhecia, também, imediatamente, ficaria de mal com ele”[3].
Em 1076, o franco Roussel de Bailleul conseguiu estabelecer um Estado autônomo
na Ásia Menor e marchou sobre Constantinopla, que teve que pedir ajuda dos turcos
muçulmanos que contiveram o exército de Roussel e foram recompensados com ouro,
cavalos e terras[4].
Era recorrente o Império
Bizantino contratar mercenários entre os guerreiros turcos por causa da
desconfiança dos francos[5][6].
Phillips acrescenta ainda que “o papa também
concedeu o status de cruzada às guerras contra as tribos pagãs na região do
Báltico, com a justificativa de que estas ampliariam as fronteiras da
Cristandade e serviriam para vingar os assassinatos de missionários cristãos
que haviam tido lugar no passado”[7].
Durante a Terceira Cruzada, os reis da França e Inglaterra estavam brigados,
tendo que se separar da Cruzada a fim de continuar a guerra em seus próprios
países.
Além disso, cabe-se ressaltar
que todo o território cristão ocidental havia sido conquistado por meio da
guerra. Voltaire perguntava com que justiça que podiam os príncipes bárbaros da
Europa reivindicar províncias que tinham sido tomadas pelos turcos, não a eles,
mas ao imperador do Oriente[8]. E
Gibbon questiona por que regra de senso concluíam esses descendentes dos
germanos, dos francos e dos normandos que o tempo tinha consagrado as suas
próprias aquisições na Europa, mas não as dos muçulmanos na Ásia[9].
Foi pela espada que os povos
agora cristãos conquistaram o Império Romano ocidental e consumaram seus
territórios, e por isso não tinham moral alguma para requerer outros
territórios que também haviam sido tomados pela espada – e que jamais haviam
sido deles! Uma vez que todo o território comandado pelo papa Urbano II era
povoado por tribos bárbaras que conquistaram por meio da guerra o antigo
Império Romano, seria hipócrita e risível se eles mesmos usassem o argumento
das invasões muçulmanas como pretexto para atacá-los. Eles próprios eram os
invasores.
Veit Valentin escreve:
A ideia de que o Cristianismo devia
expandir-se e dominar pelas armas ganhara terreno originariamente como uma
concessão ao instinto belicoso dos germanos para os quais a doutrina da
humildade era inconcebível; Cristo como Senhor do reino de Deus sobre a terra,
como Imperador universal, em cuja honra os fieis vassalos os cristãos deviam
matar e saquear os infieis, esta era a noção que a mentalidade primitiva
facilmente aceitava.[10]
E Roper ressalta:
Os cruzados que justificavam a sua
agressão contra os muçulmanos pelo ódio virtuoso ao falso profeta Maomé não
cambalearam quando esse pretexto caiu. Os anglo-saxões eram cristãos; também os
irlandeses; na verdade, anglo-saxões e irlandeses tinham estado entre os
construtores da Europa cristã, o que não livrou os primeiros de Guilherme, o
Conquistador, e os segundos de Strongbow. Os gregos de Constantinopla também
eram cristãos. Isso não os livrou dos terríveis francos, esse exército de
filhos de proprietários e inúteis camponeses que enxamearam tanto para o
Ocidente como para o Oriente, à procura da salvação terrena e espiritual.[11]
Quando não estavam lutando entre
si mesmos por conquistas territoriais, os nobres cristãos ocidentais
organizavam torneios sangrentos, que “eram
verdadeiras batalhas e não, como vulgarmente se supõe, simples divertimentos”[12].
Eram, como diz Phillips, “acontecimentos
desordenados e anárquicos, regalados com sangue e vinganças”[13].
Nestes torneios, eles lutavam entre si, muitas vezes, até a morte. Lins nos
conta que “num torneio realizado em Nuis, perto de
Colônia, houve, em 1240, nada menos de sessenta mortes[14],
e Flori sustenta que “os torneios não diferem
consideravelmente da guerra antes do século XIII”[15]. A História de Guilherme o Mariscal descreve
um de tais encontros como “uma verdadeira batalha
campal”[16].
Quão distante está isso dos
romances e do cinema moderno, que difundiram uma falsa imagem dos torneios
medievais, como narra Flori:
Os romances do século XIX e o cinema
do XX difundiram muito uma imagem dos torneios ao mesmo tempo tardia e
irrealista: em um recinto cercado por tribunais nos quais estão belos senhores
e gentis damas, dois cavaleiros, protegidos por armaduras brilhantes e com
elmos com cimeiras ondulantes, precipitam-se um em direção ao outro, galopando
em seu cavalo também protegido, segurando suas longas lanças obliquamente acima
da barreira que os separa ao longo de toda a pista. A competição prossegue
assim, por eliminação direta (como em um torneio de tênis) até a final quando o
vencedor recebe o prêmio das mãos da mais bela dama da assembleia.[17]
Além dos assassinatos, nos
torneios os cavaleiros aprisionavam “seus
companheiros de armas, enriquecendo-se não só com as armas e cavalos deles,
mas, ainda, com os imensos resgates que cobravam para restituí-los à liberdade”[18].
Guilherme, o Marechal, fez 103 prisioneiros em um só ano[19].
Quanto mais violento o torneio fosse, melhor. Rogelio de Hoveden, um escritor
inglês de finais do século XII, escreveu: “Não está
pronto para a batalha aquele que nunca viu seu próprio sangue, quem não ouviu
ranger seus dentes ao ser golpeado por um adversário ou não sentiu nunca sobre
si todo o peso do seu oponente”[20].
A Igreja inicialmente se colocou contra esses torneios, mas depois os aceitou.
Em 1316, João XXII os autoriza expressamente[21].
O pretexto das invasões árabes,
assim, cai totalmente por terra. Urbano II não o usou por ocasião da Primeira
Cruzada e papa algum o usou nas demais peregrinações à Terra Santa; este
pretexto não podia ser evocado porque a mentalidade de todos os povos da época
era de conquista territorial e isso era tomado com toda a naturalidade do
mundo; mesmo se não fosse, os povos cristãos ocidentais deveriam ser os últimos
a evocar este suposto pretexto, uma vez que as suas terras também haviam sido
tomadas pelo fio da espada, e depois disso continuaram lutando entre si mesmos
por conquistas territoriais e prestígio.
Usar o argumento das invasões
árabes neste contexto não seria apenas falso, seria hipócrita. Foi por isso que
Urbano II não o usou.
• As terras do Oriente
Acima de tudo, a principal razão pela
qual o exército do papa Urbano II não tinha nenhuma moral para reivindicar os
territórios no Oriente era simples: estes territórios jamais haviam sido dele.
Você não pode “retomar” aquilo que nunca foi seu. A terra de Jerusalém era
território judaico antes da possessão romana, passou a fazer parte do Império
Bizantino e então foi tomada pelos muçulmanos em 637, por Omar. Desde quando
ela foi território do papa romano, dos francos, dos germanos, dos ingleses, dos
franceses ou de qualquer outro que fazia parte da Cruzada? Nunca.
Não é sem razão que o imperador
bizantino Aleixo I exigiu dos cruzados um voto de que essas terras seriam
devolvidas ao seu respectivo dono, ou seja, a ele. As terras não eram pra ficar
em posse dos cruzados. Todavia, o que os cruzados mais fizeram foi romper o
acordo feito com o basileu. Todos os territórios conquistados no Oriente
ficaram em posse dos próprios cruzados, que traíram o imperador bizantino:
• O principado de Antioquia. A
cidade cai em 1098 após um longo cerco. Boemundo, chefe dos normandos da Itália
meridional, recusa devolvê-la aos bizantinos e se proclama príncipe de
Antioquia[22].
• O principado de Edessa
confiado, após a tomada da cidade em 1098, a Balduíno I de Bolonha, irmão de
Godofredo de Bulhões. Balduíno manda assassinar o príncipe armênio e reina
sozinho[23].
• O reino de Jerusalém.
Conquistada em julho de 1099, após dura campanha e um cerco difícil, a cidade
torna-se desde logo a capital política e religiosa dos latinos. Godofredo de
Bulhões assume somente o título de “advogado do Santo Sepulcro”, mas por
ocasião da sua morte, seu irmão Balduíno proclama-se rei (em 1100)[24].
• O condado de Trípoli ocupado
em 1109 e dado a Raimundo de Saint-Gilles, conde de Toulouse. Em 1187, após uma
crise de sucessão, esse condado se encontra reunido ao principado de Antioquia[25].
• A tolerância árabe
Alega-se por vezes que os
cristãos estavam sendo oprimidos pelos árabes que conquistavam cada vez mais
território nos séculos anteriores às Cruzadas. Isso também é falso. Na Idade
Média, nenhum povo era mais tolerante com os povos conquistados do que os árabes.
Infelizmente, as pessoas têm em mente os terroristas do século XX e XXI e assim
formam a imagem de todo o povo árabe de todas as épocas, como se os muçulmanos
sempre estivessem marcados por terrorismo e intolerância, o que nada mais é
senão uma deturpação da história.
Este é um ponto de consenso
entre os historiadores: os árabes eram extremamente tolerantes com os povos
conquistados, permitindo que praticassem suas crenças em liberdade e cobrando
apenas um imposto leve. Como diz Juan Brom, “os
árabes em geral respeitaram as crenças dos povos submetidos, conformando-se em
cobrar-lhes impostos”[26].
Embora “muitas vezes os não-muçulmanos se
convertiam ao Islã para evitar o pagamento deste imposto”[27],
os crentes fieis nunca foram forçados a mudar de religião. Vale ressaltar que
nos países cristãos também havia cobrança de impostos aos muçulmanos, como
aponta Jacques Le Goff[28].
O historiador Christopher Brooke
também acentua essa espantosa tolerância do mundo árabe na era medieval:
Os califas podiam ser tirânicos, e em
seu nome se cometeram multidão de atos selvagens, mas comparada com a de
qualquer outro dos dirigentes do mundo medieval, sua política de respeito aos
povos súditos, incluindo os de fé diferente da sua, era assombrosamente
liberal.[29]
Brooke diz ainda que “no Islã, os cristãos e os judeus formavam uma minoria
tolerada”[30], e que “os estados muçulmanos estavam mesclados com os cristãos”[31],
citando como exemplo os casos de Antioquia, Edessa e Trípoli. Edessa,
inclusive, continuava sendo governada por um príncipe cristão, mesmo estando
sob o domínio muçulmano. Tal fato espantoso e curioso simplesmente não encontra
paralelo na história antiga. Porém, quando os cruzados tomaram Edessa,
assassinaram o príncipe ortodoxo e colocaram o chefe cruzado Balduíno em seu
lugar.
Jean Duché observa que “os muçulmanos fundavam grandiosas mesquitas, hospitais,
escolas públicas – as madrassas – e respeitavam os cristãos, fazendo o mesmo
desde quatro séculos: os tolerando”[32].
Ivan Lins também mostra que os árabes se caracterizavam pela tolerância, não
impondo eles “nenhum obstáculo à piedade dos
cristãos”[33]. Mas ele vai além,
e diz que eles “foram sempre muito mais tolerantes
do que os cristãos”[34].
Sob o domínio do Islã, Lins escreve que “as igrejas
e mosteiros multiplicavam-se por toda parte, e as antigas paróquias ornavam-se
e acrescentavam-se com os primores da arte oriental”[35].
Ele diz ainda:
A tolerância árabe chegou ao ponto de
Moviá, o primeiro califa omíada, fazer reparar e reconstruir igrejas cristãs.
Nunca a tolerância se associou de um modo tão singular com o entusiasmo
religioso – escreve Alexandre Herculano. Esta tolerância, que procedia da
índole do islamismo, das suas máximas, digamos assim, canônicas e civis, não se
limitou na Espanha à concessão de seguirem em silêncio a própria crença os
habitantes avassalados pela espada do Islã, nem ainda à de celebrarem
publicamente os seus ritos: manifestou-se também no respeito às instituições dos
vencidos e à sua propriedade (...) Providos em cargos civis, admitidos ao
serviço militar, nas exterioridades os hispanos-godos só se distinguiam pela
diferença dos lugares onde adoravam a Deus. A voz do almuaden chamando os
moléns à oração misturava-se com a do sino que anunciava aos nazarenos a hora
das solenidades do culto. Dirigindo-se à basílica o bispo perpassava pelo imã
que se encaminhava para a mesquita: o presbítero cruzava com o moadi; e num dos
dois templos, ou contíguos ou próximos, o salmista entoava os hinos do ritual gótico,
enquanto no outro o alime ou ulema invocava na chotba as bênçãos do céu sobre o
califa.[36]
No século IX, a proteção
muçulmana aos cristãos foi explicitamente assegurada a Carlos Magno por
Harum-Al-Rachid, no chamado “protetorado franco do Oriente”. Como consequência
deste acordo, mais hospitais, basílicas, bibliotecas e mercados foram
construídos na Terra Santa, tornando as peregrinações cristãs ainda mais
frequentes.
O único momento em que essa
tolerância foi momentaneamente interrompida foi quando um califa louco e
fanático chamado Hakim subiu ao poder, de 1009 a 1020, se dizendo ele próprio o
Messias, e por isso perseguindo cristãos e judeus (os primeiros por acreditarem
que o Messias já veio, e os segundos por acreditarem que ainda viria, sendo que
o Messias seria ele mesmo...). A loucura de Hakim chegou a tal ponto que ele
passou a odiar os próprios muçulmanos, uma vez que “desprezava
Maomé”[37].
Michaud diz que “ele atraiu o ódio de todos os
muçulmanos”[38].
Os seus sucessores, porém,
restabeleceram “o regime da mais ampla tolerância,
e as peregrinações recrudesceram”[39],
e Daher, seu substituto, reconstruiu a igreja do Santo Sepulcro[40].
Morrisson afirma que “a perseguição – dirigida
também contra os judeus – ordenada pelo califa Al-Hakim e que culminou com a
destruição da basílica do Santo Sepulcro (1009) foi apenas um episódio
excepcional, logo seguido por um acordo entre os fatímidas e o governo de
Bizâncio, que permitiu a restauração do santuário”[41].
A tolerância árabe era o motivo
pelo qual o imperador bizantino Aleixo I preferiu se dissociar da Cruzada, por
não ter nenhuma garantia de que a população cristã ortodoxa que vivia nas
terras então ocupadas pelos muçulmanos seria melhor tratada se estes
territórios passassem aos francos:
Exceto sob o califa louco Hakim, os
fatímidas haviam tratado os cristãos orientais com generosa tolerância, e
Aleixo não tinha motivos para presumir que o governo franco lhes seria mais
agradável. Assim, o imperador dissociara-se da marcha franca sobre Jerusalém.[42]
A tolerância muçulmana era tão
grande que “em Niceia, capital desse jovem Estado
muçulmano, as igrejas bizantinas continuam mais numerosas do que as mesquitas”[43].
E em Antioquia, conquistada pelos árabes há décadas, a população local
permanecia sendo de maioria cristã[44]. Philippe
Wolff nota que “o Islã está longe de se impor a
todos; através do seu território subsistem importantes minorias cristãs,
judaicas, zoroastrianas, habitualmente toleradas”[45].
Diz ainda que “os ódios religiosos ainda são
ignorados. Por isso vemos monges moçárabes, que vão povoar conventos cristãos
do Norte, enquanto os príncipes cristãos mandam educar os filhos entre os
sarracenos”[46].
Longe do imaginário popular onde
os árabes matavam todo mundo ou forçavam conversões, Henri Pirenne nos mostra o
que realmente acontecia:
O que propõem não é, como se diz, a
sua conversão, mas a sua sujeição. E ela chega com eles. Não pedem mais, após
as conquistas, que tomar como presa a ciência e a arte dos infiéis;
cultivá-las-ão em honra de Alá (...) Os vencidos são seus súditos, pagam apenas
impostos, estão fora da comunidade dos crentes.[47]
O pagamento de impostos dos
não-crentes pode não parecer tão tolerante nos dias de hoje, mas era
extremamente incomum e inusitado em uma época onde a esmagadora maioria dos
povos conquistadores ou matavam todo mundo que conquistavam (como faziam os
cruzados), ou forçavam conversões. Os árabes se distinguiam por suas “cordiais relações com as elites locais, as vezes mediante
pactos e matrimônios, e se procurou que a população nativa sofresse poucas
moléstias”[48]. Manuel
Ballesteros verifica:
Em geral os árabes deixavam subsistir
a administração dos países conquistados, pois não estavam em condições de
melhorar as existentes. Isso lhes evitava complicações e facilitava a cobrança
de impostos. Assim, foi muito frequente que até deixavam circular a própria
moeda do país.[49]
Os judeus também eram tolerados
nas sociedades árabes. Pirenne diz que eles sustentavam o comércio e que “os árabes não os perseguiram nem os massacraram”[50],
e Paul Johnson, em sua história sobre os judeus, salienta que, “no Cairo, os judeus, cristãos e muçulmanos conviviam e
participavam em sociedades comerciais comuns”[51].
Existia até um estatuto dos protegidos, de nome dimmies, outorgado a judeus e a cristãos, que lhes permitia manter
sua religião e suas terras[52]. Guga
Chacra escreve ainda:
Judeus estavam muito mais seguros
entre os muçulmanos do que na Cristandade europeia, onde eram perseguidos (...)
Perseguidos na Europa, os judeus conseguiram abrigo e proteção no mundo
islâmico – e note que os judeus viviam muito bem na Península Ibérica quando
esta estava nas mãos dos muçulmanos e não dos católicos.[53]
Abelardo, um cristão católico
que decidiu viver entre os muçulmanos por causa da caça às bruxas nos países
católicos, testemunhou que conseguiu, “mediante
algum tributo, o direito de viver tranquilamente e cristãmente no meio dos
inimigos de Cristo”[54].
Um cronista de uma viagem à Palestina em 1184 ficou tão maravilhado com a boa
relação entre cristãos e muçulmanos que escreveu que “o
entendimento entre eles é perfeito, e a equidade é respeitada em todas as
circunstâncias”[55].
Quando é que os povos muçulmanos
começam a se tornar intolerantes com as minorias conquistadas? Hugh
Trevor-Roper responde a esta questão dizendo que “só
a partir do século XIV, esse século de contracção generalizada, o Islã, como a
Cristandade, se tornou intolerante em relação às minorias”[56].
Mas isso, observe, é de depois das Cruzadas, e em represália
à intolerância cristã que marcou este movimento. Não foi antes das Cruzadas para
justificar os ataques.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
- Extraído do meu livro: "Cruzadas - O Terrorismo Católico".
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[1]
BROM, Juan. Esbozo de historia universal.
21ª ed. México: Grijalbo, 2004, p. 96.
[2]
BROOKE, Christopher. Europa en el centro
de la Edad Media (962-1154). 1ª ed. Madrid: Aguilar, 1973, p. 381.
[3]
ibid, p. 292.
[4]
MAALOUF, Amin. As Cruzadas Vistas Pelos Árabes.
4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 18.
[5]
ibid.
[6]
“Francos” era o nome dado à generalidade dos povos católicos ocidentais que
lutaram nas Cruzadas.
[7]
PHILLIPS, Jonathan. La cuarta cruzada y
el saco de Constantinopla. 1ª Ed. Barcelona: CRÍTICA, S. L., 2005, p. 25.
[8]
Apud ROPER, Hugh Trevor. A Formação da
Europa Cristã. 1ª ed. Lisboa: Editorial Verbo, 1975, p. 108-109.
[9]
ibid.
[10]
VALENTIN, Veit. História Universal –
Tomo II. 6ª ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1961, p. 11.
[11]
ROPER, Hugh Trevor. A Formação da Europa
Cristã. 1ª ed. Lisboa: Editorial Verbo, 1975, p. 125.
[12]
LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e
as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 255.
[13]
PHILLIPS, Jonathan. La cuarta cruzada y
el saco de Constantinopla. 1ª Ed. Barcelona: CRÍTICA, S. L., 2005, p. 80.
[14]
LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e
as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 255.
[15]
FLORI, Jean. A Cavalaria: A origem dos
nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras, 2005, p. 100.
[16]
Apud PHILLIPS, Jonathan. La cuarta
cruzada y el saco de Constantinopla. 1ª Ed. Barcelona: CRÍTICA, S. L.,
2005, p. 82.
[17]
FLORI, Jean. A Cavalaria: A origem dos
nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras, 2005, p. 97-98.
[18]
LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e
as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p, 256.
[19]
ibid.
[20]
Apud PHILLIPS, Jonathan. La cuarta
cruzada y el saco de Constantinopla. 1ª Ed. Barcelona: CRÍTICA, S. L.,
2005, p. 81.
[21]
FLORI, Jean. A Cavalaria: A origem dos
nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras, 2005, p. 138.
[22]
HEERS, Jacques. História Medieval. 1ª
ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1974, p. 164.
[23]
ibid.
[24]
ibid.
[25]
ibid.
[26]
BROM, Juan. Esbozo de historia universal.
21ª ed. México: Grijalbo, 2004, p. 96.
[27]
SPENCER, Robert. Guía políticamente
incorrecta Del Islam (Y de las Cruzadas). Madrid: Ciudadela Libros, 2007.
[28]
LE GOFF, Jacques. A Civilização do
Ocidente Medieval – Volume I. 1ª ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1983, p.
186.
[29]
BROOKE, Christopher. Europa en el centro
de la Edad Media (962-1154). 1ª ed. Madrid: Aguilar, 1973, p. 39.
[30]
ibid, p. 41.
[31]
ibid, p. 380.
[32]
DUCHÉ, Jean. Historia de la Humanidad II
– El Fuego de Dios. 1ª ed. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1964, p. 344.
[33]
LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e
as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 298.
[34]
ibid.
[35]
ibid, p. 299.
[36]
ibid.
[37]
MICHAUD, Joseph François. História das
Cruzadas – Volume Primeiro. 1ª ed. São Paulo: Editora das Américas, 1956,
p. 39.
[38]
ibid, p. 40.
[39]
LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e
as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 301.
[40]
MICHAUD, Joseph François. História das
Cruzadas – Volume Primeiro. 1ª ed. São Paulo: Editora das Américas, 1956,
p. 44-45.
[41]
MORRISSON, Cécile. Cruzadas. 1ª ed.
São Paulo: L&PM Pocket, 2009.
[42]
RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas,
Volume II: O Reino de Jerusalém e o Oriente Franco, 1100-1187. 1ª ed. Rio
de Janeiro: Imago Ed., 2002, p. 25.
[43]
MAALOUF, Amin. As Cruzadas Vistas Pelos
Árabes. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 17.
[44]
ibid, p. 32.
[45]
WOLFF, Philippe. O Despertar da Europa.
1ª ed. Lisboa: Editora Ulisseia, 1973, p. 101.
[46]
ibid, p. 103.
[47]
PIRENNE, Henri. Maomé e Carlos Magno.
1ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1970, p. 133.
[48]
VARA, Julián Donado; ARSUAGA, Ana Echevarría. La Edad Media: Siglos V-XII. 1ª ed. Madrid: Editorial universitaria
Ramón Areces, 2010, p. 96.
[49]
BALLESTEROS, Manuel; ALBORG, Juan Luis. Historia
Universal Hasta el Siglo XIII. 4ª ed. Madrid: Editorial Gredos, S. A., 1967,
p. 375.
[50]
PIRENNE, Henri. Maomé e Carlos Magno.
1ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1970, p. 153.
[51]
JOHNSON, Paul. La historia de los judíos.
Barcelona: Zeta, 2010, p. 302.
[52]
VARA, Julián Donado; ARSUAGA, Ana Echevarría. La Edad Media: Siglos V-XII. 1ª ed. Madrid: Editorial universitaria
Ramón Areces, 2010, p. 96.
[54]
LE GOFF, Jacques. A Civilização do
Ocidente Medieval – Volume I. 1ª ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1983, p.
185.
[55]
ibid, p. 186.
[56]
ROPER, Hugh Trevor. A Formação da Europa
Cristã. 1ª ed. Lisboa: Editorial Verbo, 1975, p. 194.
Lucas a questao da corrupçao da desonestidade do brasileiro levar vantagem sobre o proximo tem influencia do catolicismo romano em nossa cultura.
ResponderExcluirEu não acho especificamente que isso seja por causa do catolicismo, porque alguns países europeus com tradição católica não são igual ao Brasil. Este problema é mais profundo, eu nem saberia te responder o porquê.
ExcluirAcredita que está relacionado ao processo de colonização do Brasil?
ExcluirProvavelmente.
ExcluirLucas Franklin Graham disse uma certa vez que o islamismo e o cristianismo são inimigos. Vc concorda do ponto de vista teológico?
ResponderExcluirSim.
ExcluirO que você acha dos corpos incorruptos dos santos católicos?
ResponderExcluirEscrevi sobre isso aqui:
Excluirhttp://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/04/o-pior-argumento-catolico-de-todos-os.html
Lucas, como os católicos interpretam passagens como "aquele que crer e for batizado será salvo mas aquele que nao crer sera condenado", "creia em Jesus e será salvo você e sua casa" ou "aquele que crer em mim ainda que morra viverá"?
ResponderExcluirEssas passagens (entre muitas outras) nao mostram a salvação pela fé em Jesus? Como os católicos "refutam" elas?
Eles não refutam, só sabem copiar e colar aqueles textos de Tiago onde ele fala da "fé morta", parecem papagaios repetindo sempre a mesma coisa. Só que Tiago também não estava defendendo salvação por obras, como você pode ver aqui:
Excluirhttp://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2014/01/tiago-ensinava-justificacao-pelas-obras.html
Olá irmão Lucas, já viu o mais novo milagre eucarístico a santa hóstia consagrada que sangra devidamente comprovado o fenômeno milagroso.
ResponderExcluirUm abraço do amigo Marcos Monteiro.
Não vi, mas em se tratando de "milagres eucarísticos" há muitos embustes, um deles eu já escrevi aqui:
Excluirhttp://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/10/desmascarando-o-milagre-de-lanciano.html
Abs!
as vezes sinto vontade de morrer n tenho amigos no Colégio, Sinto as vezes Vontade de matar todas pessoal Mas que existem a,Me sinto um verdadeiro inútil,O pior e que sou fraco e tds os dias minha vontade de pecar aumenta inacreditavelmente, e minha fé e vontade de ler Biblia que dum precipício, Me ajude pfv ore por mim, eu acho que só n sou católico pelos artigos que eu li nesse site
ResponderExcluirVou orar por você. Deus lhe abençoe e lhe dê forças para seguir adiante.
ExcluirPode um incrédulo trabalhar em uma igreja evangélica?
ResponderExcluirDependendo do cargo eu não vejo problema algum.
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