Os católicos romanos deram a Bíblia aos protestantes?
OS CATÓLICOS ROMANOS DERAM A BÍBLIA AOS PROTESTANTES?
(Keith Thompson)
Um dos argumentos mais comuns contra a Sola Scriptura
levantado pelos católicos é: se a Escritura é a única autoridade que deve ser
seguida, como você sabe quais livros são inspirados, visto que a própria
Escritura não lhe diz? Ou então: se você crê na Sola Scriptura, por que mantém
um cânon do Novo Testamento que foi reconhecido pela autoridade da Igreja
Católica Romana? Isso não viola a Sola Scriptura? Como o apologista católico
Patrick Madrid argumenta, “não há uma lista de
conteúdos inspirados na Escritura que nos diga quais livros pertencem ao cânon
e quais não”[1].
Este é um argumento comum utilizado pelos apologistas católicos e tem sido
usado por eles para tentar refutar muitos protestantes sobre a questão da Sola
Scriptura.
No entanto, existem sérios problemas com este
argumento.
(1) Ele só se aplica ao Solo Scriptura, que é a crença de que a Bíblia é a única
autoridade, e não à Sola Scriptura, que
diz que a Escritura é a autoridade máxima. Na Sola Scriptura não há nada de
errado em seguir autoridades externas como a igreja, desde que o que ela
declare não contradiga a Bíblia e seja consistente com a Escritura pelo menos
implicitamente[2]. Deste modo, não há nenhum
problema para a Sola Scriptura ao se afirmar o cânon através da Igreja, uma vez
que os critérios utilizados pela Igreja para conhecer o cânon no século IV
podem ser validados biblicamente pelo menos implicitamente.
Por exemplo, a Igreja usou os critérios de
apostolicidade para decidir se um livro do Novo Testamento era Escritura (ou
seja, se um livro foi escrito por um apóstolo ou companheiro de um apóstolo).
Qualquer boa introdução conservadora ao Novo Testamento dará argumentos
internos para o fato de um livro ter sido escrito por um apóstolo ou por alguém
próximo de um apóstolo (por exemplo, Donald Guthrie’s, D. A. Carson e Douglas
J. Moo’s, dentre outros). No que diz respeito aos critérios de antiguidade
utilizados pela Igreja, podemos olhar para o conteúdo interno do livro para
descobrir se ele foi escrito no primeiro século ou se é uma obra do segundo
século.
Estudiosos do Novo Testamento fazem isso regularmente.
Qualquer boa introdução teológica irá fornecer argumentos internos de que um
livro foi escrito no primeiro século. No que diz respeito aos critérios da
ortodoxia utilizados pela Igreja, podemos ver quais livros são internamente
consistentemente e quais não são. Então não há nada inconsistente em se afirmar
a Sola Scriptura ao mesmo tempo em que se reconhece a autoridade da Igreja em
reconhecer o cânon, uma vez que quando observamos os livros reconhecidos vemos
que seu reconhecimento é consistente com a Escritura, pelo menos
implicitamente.
(2) Ao usar este argumento, o apologista católico assume
que aqueles concílios no quarto século que reconheceram o cânon eram concílios
católicos romanos ou faziam parte de uma Igreja Católica Romana. Entretanto,
ninguém nesses concílios acreditava nas coisas que a Roma moderna afirma que
somos obrigados a acreditar para sermos considerados católicos romanos –
ensinamentos e reivindicações romanistas nem sempre foram cridas pela Igreja
(por exemplo, a confissão auricular privada, o poder a um padre para perdoar
pecados veniais e mortais, a infalibilidade papal, a assunção e imaculada
conceição de Maria, a missa como o mesmo sacrifício propiciatório de Cristo
re-apresentado, a ideia de que só o papa tem autoridade para interpretar a
Bíblia, etc). Por isso, é errônea a reivindicação dois católicos modernos de
que aqueles concílios que trataram da questão do cânon faziam parte de seu sistema
religioso moderno. Era a Igreja cristã, não o sistema papal, que discerniu o
cânon no século IV.
(3) Os protestantes são muito parecidos com os cristãos
da igreja primitiva antes do Concílio de Hipona e de Cartago. Eles declararam
certos livros como inspirados sem a autoridade final de algum concílio sobre a
questão. Irineu, Justino e Atanásio, entre outros, declararam certos livros
canônicos como inspirados muito antes de Cartago e Hipona. Eles não tinham um
papa ou um concílio para lhes ditar quais livros deveriam ser aceitos e quais
deveriam ser rejeitados. Se os romanistas modernos querem condenar os
protestantes por fazerem isso, então eles deveriam condenar também estes
primeiros Pais da Igreja que fizeram o mesmo, se eles querem mesmo ser consistentes.
Roma também falsamente afirma que a sua tradição é a
base para o estabelecimento do cânon bíblico pela Igreja no século IV, quando o
Concílio de Cartago e o de Hipona falaram sobre a lista de livros inspirados[3].
Os pontos de vista da Igreja Romana sobre a tradição são: (1) a ideia de que os
apóstolos entregaram um corpo de ensino oral contendo doutrinas que não são
encontradas na Escritura; e (2) a ideia de que a tradição da Igreja esclarece o
verdadeiro significado das Escrituras.
Entretanto, os concílios de Hipona e de Cartago, que
no século IV lidaram com a questão do cânon, nunca afirmaram que eles sabiam
qual era o cânon correto porque eles tinham ensinamentos e tradições da boca
dos apóstolos afirmando quais livros eram canônicos. Nem podemos dizer que eles
tinham uma interpretação histórica do conteúdo da Escritura e, portanto,
declararam o cânon através deste significado. Isso não faz sentido. Assim, as
definições de tradição por Roma não podem ser objeto de recurso como base para
as determinações destes concílios relativos ao cânon. Os concílios não
utilizaram qualquer chamada “tradição apostólica” para isso.
Em vez disso, eles usaram vários critérios para
discernir o cânon. Eles não afirmam que eles tinham um ensino oral dos apóstolos
afirmando quais livros eram verdadeiros. Seus critérios de canonicidade
utilizados incluíam: apostolicidade (se o conteúdo do livro era teologicamente
ortodoxo), a antiguidade (se o livro era suficientemente antigo) e uso (se o
livro foi amplamente usado na Igreja antes do concílio)[4]. À
luz dos fatos mencionados, é completamente errada a reivindicação católica de
que a Igreja Romana deu a Bíblia aos protestantes, e que sem o catolicismo ou
sua suposta tradição apostólica os protestantes sola scripturistas não poderiam discernir o cânon bíblico.
Autor:
Keith Thompson (Reformed
Apologetics)
Tradução:
Lucas Banzoli (Apologia Cristã)
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[1] Patrick Madrid, Sola Scriptura: A Blueprint for Anarchy, ed.
Robert Sungenis, Not by Scripture Alone, [Queenship Publishing Company,
1997], p. 22.
[2] Westminster Confession of
Faith, 1:6-7; 1:10.
[3] Robert Sungenis, Point/Counterpoint: Protestant Objections
and Catholic Answers, Not by Scripture Alone, [Queenship Publishing, 1997],
p. 270.
[4] The Cradle, the Cross, and
the Crown: An Introduction to the New
Testament, eds. Andreas J. Kostenberger, L. Scott Kellum, Charles L.
Quarles, [B&H Publishing Group, 2009], p. 13.
Lucas, houve um filósofo americano do século XX, o presbiteriano Gordon Clark, que dizia que a Bíblia tem o monopólio sistemático da verdade. Segundo essa opinião de Clark, ele não seria um solo scripturista?
ResponderExcluirSim, se ele disse isso mesmo, ele é um "solo scripturista". Nenhum protestante reformado afirma que não existe verdades fora da Bíblia.
ExcluirLucas, um artigo interessante seria sobre as correntes filosóficas desenvolvidas por protestantes (Clark, Van Til, Dooyeweerd).
ResponderExcluirObrigado pela sugestão!
ExcluirLucas, nas bíblias católicas, em Isaías 42:1 está dizendo que Cristo irá trazer a religião invés de Justiça. Qual a tradução correta?
ResponderExcluirA palavra hebraica usada no texto em questão significa:
Excluir04941 mishpat
procedente de 8199; DITAT - 2443c; n m
1) julgamento, justiça, ordenação
1a) julgamento
1a1) ato de decidir um caso
1a2) lugar, corte, assento do julgamento
1a3) processo, procedimento, litigação (diante de juízes)
1a4) caso, causa (apresentada para julgamento)
1a5) sentença, decisão (do julgamento)
1a6) execução (do julgamento)
1a7) tempo (do julgamento)
1b) justiça, direito, retidão (atributos de Deus ou do homem)
1c) ordenança
1d) decisão (no direito)
1e) direito, privilégio, dever (legal)
1f) próprio, adequado, medida, aptidão, costume, maneira, plano
Realmente, fica difícil saber de onde as versões católicas tiram essas traduções malucas deles. Trocam justiça por religião, arrependimento por penitência, amor por caridade, e por aí vai. É dose...
Excelente artigo!!! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, mas esse artigo (como mostro no início) é do Keith Thompson, e a mim coube apenas a tradução. Portanto deverá parabenizar a ele e não a mim :)
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