Refutando astronauta católico (II): Inácio de Antioquia cria na imortalidade da alma e tormento eterno?



Introdução

Ontem postei aqui o começo da minha refutação ao texto pobre e supérfluo do nosso amigo astronauta católico (se você não leu, clique aqui e leia). Agora chegou a vez de refutarmos as distorções e manipulações do astronauta em cima de Inácio de Antioquia (35-107), que por sua antiguidade e aproximação com os apóstolos é fundamentalmente importante neste estudo.


Inácio de Antioquia era imortalista?

Para “provar” que Inácio era imortalista, o astronauta faz uso de uma passagem (dentre sete cartas inteiras escritas por ele!), que na cabeça dele “prova” que Inácio cria num suposto estado intermediário inventado pelos imortalistas:

“Meu espírito por vós se empenha, não apenas agora, também quando com Deus me encontrar”[1]

Na imaginação fértil da mente papista, este momento em que Inácio fala que se encontraria com Deus e se empenharia pelos tralianos era no tal do estado intermediário, como uma alma penada voando com os anjinhos no Céu. Quais evidências ele usa para fortalecer essa posição? Nada.

Qualquer um que estude os escritos de Inácio como um todo, ao invés de copiar um trecho minúsculo isolado de uma única carta, percebe o fato óbvio de que Inácio esperava encontrar com Deus e com seus irmãos na fé quando ressuscitasse, e não antes disso (no “estado intermediário”). Vemos isso por toda parte nos escritos de Inácio. Por exemplo, quando ele escreve a seu companheiro Policarpo (80-155) sobre o momento em que se encontraria novamente com ele (usando a mesma palavra “encontrar” que ele usa na carta aos tralianos), ele diz claramente que este encontro ocorreria na ressurreição dos mortos, e não no estado intermediário:

”Uma vez que a Igreja de Antioquia da Síria está em paz, como fui informado, graças à vossa oração, fiquei mais confiante na serenidade de Deus, se com o sofrimento eu o alcançar, para ser encontrado na ressurreição como vosso discípulo”[2]

Este texto o astronauta católico ignorou e fingiu que não leu, é claro.

Inácio, que já estava próximo da morte, escreve ao seu velho amigo Policarpo e mostra a sua esperança de que seria considerado como “vosso discípulo” na ressurreição, porque é lógico que é na ressurreição que ambos se veriam novamente. Isso é o mesmo pensamento que Paulo expressa aos tessalonicenses:

“Pois quem é a nossa esperança, alegria ou coroa em que nos gloriamos perante o Senhor Jesus na sua vinda? Não são vocês?” (1ª Tessalonicenses 2:19)

E também aos coríntios:

“Porque sabemos que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus dentre os mortos, também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará com vocês (2ª Coríntios 4:14)

Por que o momento em que Paulo se alegraria do trabalho realizado em favor dos tessalonicenses era somente na vinda de Jesus? Porque é na volta de Jesus que os mortos são ressuscitados e apresentados diante do Senhor (1Ts.4:13-18). Por que Paulo disse que seria apresentado aos coríntios somente na ressurreição? Porque é na ressurreição que todos voltam à existência e são apresentados uns aos outros. O pensamento bíblico é claro: os mortos permanecem mortos até que Jesus os ressuscite na Sua vinda, e então nos veremos novamente. Era nisso que Inácio cria, e isso que ele expressou a Policarpo. Isso também foi o mesmo que ele disse aos efésios:

”Fora dele [Jesus], nada tenha valor para vós. Eu carrego as correntes por causa dele. São as pérolas espirituais com as quais eu gostaria que me fosse dado ressuscitar, graças à vossa oração. Desta desejo sempre participar para me encontrar na herança dos cristãos de Éfeso, que estão sempre unidos aos apóstolos pela força de Jesus Cristo”[3]

Mais uma vez, a linguagem é clara, e o desejo manifesto é de ressuscitar para que então se encontre na herança com os cristãos de Éfeso. Inácio não esperava se encontrar com os efésios em um estado intermediário antes da ressurreição, mas somente na ressurreição.

Diante de tudo isso, como devemos interpretar o verso em que Inácio diz que se empenhava pelos tralianos não somente “agora”, mas também “quando encontrar a Deus”? Como sendo uma referência a um estado intermediário onde Inácio já estaria na sua herança com Deus antes mesmo da ressurreição? É claro que não. Diante das evidências, este encontro com Deus se daria obviamente na ressurreição, e é este o momento em que Inácio se encontraria novamente com os tralianos, demonstrando o mesmo empenho e fervor por eles que demonstrou enquanto vivo. O texto usado pelo astronauta católico itardiano é a mais clara prova de que “texto fora de contexto vira pretexto para heresia”.


Inácio de Antioquia cria no tormento eterno?

Mas o astronauta ainda tem uma carta na manga: o texto em que Inácio fala sobre “fogo inextinguível”. Vejamos:

“Não vos iludais, meus irmãos, os corruptores da família não herdarão o Reino de Deus. Pois, se pereceram os que praticavam tais coisas segundo a carne, quanto mais os que perverterem a fé em Deus, ensinando doutrina má, fé pela qual Jesus Cristo foi crucificado? Um tal, tornando-se impuro, marchará para o fogo inextinguível, como também marchará aquele que o escuta. Por isso, recebeu o Senhor unção sobre a cabeça para exalar em favor da Igreja o perfume da incorrupção. Não vos deixeis ungir pelo mau odor da doutrina do príncipe deste mundo, de forma que vos leve cativos para longe da vida que vos espera. Por que não nos tornamos prudentes, aceitando o conhecimento de Deus, isto é, Jesus Cristo? Por que morrermos tolamente, desconhecendo o dom que o Senhor nos enviou de verdade?”[4]

Na cabeça do astronauta católico, a expressão “fogo inextinguível” é, por si só, suficiente para provar que Inácio cria no “tormento eterno”. O amadorismo aqui é tão gritante que o cidadão ainda não sabe que nos círculos mortalistas também se usa as expressões “fogo eterno”, “fogo inextinguível” ou “que não se apaga”, sem absolutamente nenhuma conotação de “tormento eterno”. A razão pela qual isso é perfeitamente possível é porque a Bíblia está cheia de exemplos onde a mesma linguagem referente a um “fogo eterno” ou “inextinguível” diz respeito aos efeitos causados pelo fogo, e não ao processo de duração do fogo em si. Por exemplo, em Isaías 34:9-10, nós lemos:

“Os ribeiros de Edom se transformarão em piche, e o seu pó, em enxofre; a sua terra se tornará em piche ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; subirá para sempre a sua fumaça; de geração em geração será assolada, e para todo o sempre ninguém passará por ela” (Isaías 34:9-10)

Onde é que estão os edomitas? Já desapareceram há muitíssimo tempo e na sua terra o fumo não está subindo nem queimando e muito menos o piche está ardendo até hoje. Mas seria de se esperar que víssemos um fogo literalmente queimando até os dias de hoje como em um processo sem fim na terra de Edom, no caso da linguagem de “fogo eterno” (“nem de noite nem de dia se apagará... subirá para sempre a sua fumaça... de geração em geração será assolada”) implicasse naquilo que os imortalistas afirmam que implica.

Semelhantemente, em Jeremias 17:27 nós lemos:

“Mas, se não me ouvirdes, e, por isso, não santificardes o dia de sábado, e carregardes alguma carga, quando entrardes pelas portas de Jerusalém no dia de sábado, então, acenderei fogo nas suas portas, o qual consumirá os palácios de Jerusalém e não se apagará (Jeremias 17:27)

Aqui vemos que Deus disse que se o povo israelita deixasse de guardar o sábado, ele iria acender fogo nas portas da cidade que “não se apagará”. Lemos em 2ª Crônicas 36:19-21 que esta profecia se cumpriu. A cidade está queimando até hoje? É claro que não! O fogo já se apagou e os palácios antigos da cidade nem existem mais, muito menos estão queimando até hoje.

Deus também disse sobre a floresta do Neguebe:

“Diga à floresta do Neguebe: Ouça palavra do Senhor. Assim diz o Soberano, o Senhor: Estou a ponto de incendiá-la, consumindo assim todas as suas árvores, tanto as verdes quanto as secas. A chama abrasadora não será apagada, e todos os rostos, do Neguebe até o norte, serão ressecados por ela. Todos verão que eu, o Senhor, acendi, e não será apagada (Ezequiel 20:47-48)

Cadê o fogo queimando a floresta do Neguebe até hoje? Não existe. O fogo apagou? Sim.

O caso mais interessante se encontra em Judas 7, que diz:

“De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades ao redor se entregaram a imoralidade e a relações sexuais antinaturais, foram postas como exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno (Judas 7)

Judas relembra o episódio em que as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo divino enviado dos céus, e diz que estas cidades sofreram a pena do “fogo eterno”. Desnecessário seria dizer que o fogo que caiu nestas cidades não está lá até hoje (na região atualmente encontra-se o mar morto!).

Em todos estes casos, embora o fogo ou a fumaça “não se apagaria”, seria “eterno” ou “inextinguível”, houve obviamente um fim temporal à duração do fogo. Mesmo assim ele é chamado de “eterno” ou “inextinguível”. Por quê? Erro bíblico? Não, mas porque o fogo é “eterno” pelos efeitos irreversíveis causados por ele. Em outras palavras, o fogo que caiu consumiu tudo (destruição total), e essa destruição é para sempre. É neste sentido que o fogo é “eterno”.

Ao invés de ser uma evidência de tormento eterno em meio ao fogo, é uma evidência de aniquilacionismo completo, com efeitos eternos (irreversíveis). Essa é a razão pela qual os círculos mortalistas ainda hoje não têm qualquer problema em usar a expressão “fogo eterno/inextinguível”, e muito menos os primeiros Pais da Igreja, que viviam numa época em que cristão nenhum da face da terra usava a expressão “fogo eterno” no sentido de “tormento eterno”. Inácio não era uma exceção à regra, pois ele também não fala de tormento eterno em absolutamente lugar nenhum de suas epístolas. No lugar disso, o que vemos são vários indícios de aniquilacionismo, por exemplo:

• Inácio dizia que Jesus “soprará a imortalidade”[5] sobre a Igreja (os não-salvos, por conseguinte, não terão esse “sopro” para serem “imortais” por toda a eternidade).

• Inácio dizia que a eucaristia era “remédio da imortalidade”[6] para “viver para sempre” (consequentemente, aqueles que não participavam da Ceia não possuiriam a imortalidade).

• Inácio dizia claramente que se Deus nos recompensasse de acordo com nossas obras nosso fim seria de deixar de existir[7] (ouketi esmen), e os ímpios serão recompensados segundo as suas obras (Rm.2:6), isto é, sem os méritos de Cristo imputado a eles. Logo, ouketi esmen.

• Inácio dizia que o fim dos ímpios será uma “morte instantânea”[8].

• Inácio também disse milhares e milhares de vezes que o fim dos ímpios é a “morte”, a “destruição” e “perecer” (em contraste a zero citações em que ele afirma o “tormento eterno”).

Diante de tudo isso, é razoável dizer que Inácio cria no tormento eterno? Mil vezes não!

Em breve, a refutação às distorções e manipulações grosseiras em Justino Mártir.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


-Meus livros:

- Veja uma lista completa de livros meus clicando aqui.

- Acesse o meu canal no YouTube clicando aqui.


-Não deixe de acessar meus outros sites:
LucasBanzoli.Com (Um compêndio de todos os meus artigos já escritos)
Apologia Cristã (Artigos de apologética cristã sobre doutrina e moral)
O Cristianismo em Foco (Reflexões cristãs e estudos bíblicos)
Desvendando a Lenda (Refutando a Imortalidade da Alma)
Ateísmo Refutado (Evidências da existência de Deus e veracidade da Bíblia)
Estudando Escatologia (Estudos sobre o Apocalipse)
Fim da Fraude (Refutando as mentiras dos apologistas católicos)





[1] Inácio aos Tralianos, XIII.
[2] Carta de Inácio a Policarpo, 7:1.
[3] Inácio aos Efésios, 11:2.
[4] Carta aos Efésios, 16-17.
[5] Inácio aos Efésios, 17:1.
[6] Inácio aos Efésios, 20:2.
[7] Inácio aos Magnésios, 10:1.
[8] Inácio aos Tralianos, 11:1.

Comentários

  1. Muito bom ! Lucas, existe obras de patrísticas traduzidas para o português? Caso não exista, seria uma boa sugestão que estudiosos Brasileiros fizessem uma obra com as traduções, quem sabe até você mesmo poderia produzir essas traduções na integra desses escritos.

    Abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O pessoal do site arminianismo.com fez um ótimo trabalho traduzindo as obras mais antigas dos Pais, você pode conferir aqui:

      http://arminianismo.com/index.php/categorias/obras/patristica

      Algumas outras você encontra neste site católico:

      http://patristicabrasil.blogspot.com.br

      Mas o resto você só encontra mesmo em inglês, nestes dois endereços:

      http://www.ccel.org/fathers.html

      http://www.newadvent.org/fathers/

      O primeiro é um site protestante e o segundo é um católico-romano, mas são as mesmas obras que constam neles.

      Abraços!

      Excluir

Postar um comentário

ATENÇÃO: novos comentários estão desativados para este blog, mas você pode postar seu comentário em qualquer artigo do meu novo blog: www.lucasbanzoli.com