A demonização dos valdenses
Os valdenses foram os
precursores da Reforma Protestante do século XVI, os que mantiveram por séculos
as mesmas doutrinas que seriam mais tarde retomadas com mais ênfase por
Martinho Lutero. Tal como os cátaros e no mesmo período, eles foram severamente
perseguidos, de modo que poucos sobreviveram até a época da Reforma. Assim como
os cátaros, os valdenses tinham uma ênfase especial na pobreza, fazendo frente
a uma Igreja rica que pregava na época o mais próximo daquilo que a teologia da
prosperidade é hoje.
O que mais impressiona
na história dos valdenses é que, por mais perseguidos e atacados que fossem,
não tiveram a história tão manchada por calúnias e difamações como os cátaros e
outros grupos tiveram. A história emocionante e envolvente de Pedro Valdo e de
seus seguidores é tão cativante que até os mais fanáticos papistas tem vergonha
de caluniá-los. Não há nenhuma lenda de assassinato de criancinhas, de suicídio
coletivo ou de violência histérica relacionada aos valdenses. Tanto é que os apologistas católicos, ao tentarem justificar a Inquisição, fazem muita menção aos cátaros, mas nunca falam nada dos valdenses, que foram perseguidos na mesma dimensão. É como se a
própria Igreja nos dias de hoje admitisse que os perseguia por puro preconceito
teológico. Os valdenses eram assassinados unicamente por não se sujeitarem à
autoridade papal, assim como os judeus eram perseguidos apenas por serem
judeus.
Quanto à Igreja da
época, que tinha que arranjar alguma difamação de alguma forma, os difamava de
uma maneira nada criativa: acusando-os de “bruxaria”. Pedro Paulo Franca,
especialista em Idade Média, comentou:
Você deveria realmente ver a propaganda difamatória que eles
fizeram com os valdenses: diziam que eles eram bruxos. Existem ilustrações do
século XIII representando valdenses voando em vassouras e um livro da Borgonha
Renascentista que te ensina a identificar e caçar Warlocks Valdenses (ao estilo
Martelo das Bruxas). E eles ainda têm coragem de falar da "difamação
protestante".[1]
A seguir uma das
imagens que remetem a 1451. A propaganda difamatória da Igreja retratava os
valdenses como bruxas voando em suas vassouras...[2]
Esta outra gravura, do
século XIII, se encontra hoje na Biblioteca Nacional da França, novamente com o
mesmo teor da anterior:
Essa é também uma das
primeiras representações visuais de bruxas voando em vassouras[3]. Um dos grandes méritos da
propaganda caluniosa da Igreja foi o de ter conseguido equiparar os termos
“valdense” e “bruxo(a)”. Na Alemanha, falar de bruxaria e de valdenses era, na
prática, falar na mesma coisa. Em uma era em que a Igreja dominava o pensamento
das pessoas numa verdadeira lavagem cerebral cotidiana, o povo realmente acreditava que os valdenses
fossem bruxas voando em vassouras para amaldiçoar a “Santa Igreja”. Essa
difamação é tão vergonhosa e descarada que nem os apologistas católicos mais
fanáticos e mentirosos continuam a usando nos dias de hoje. Afinal, depois de
perseguir, caçar e assassinar milhares de bruxas, a Igreja Romana finalmente descobriu
que elas nunca existiram...
Falemos agora de Pedro
Valdo, que deu origem aos cristãos valdenses. Sua história começa em algum
momento entre 1173 e 1176, quando ele, ainda um rico comerciante, se
impressionou com uma canção de um menestrel e perguntou a um mestre em teologia
qual era o melhor caminho para Deus. O teólogo citou o trecho do evangelho que
diz: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus
bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem, e segue-me”.
Talvez o teólogo não esperasse, mas Valdo colocou este princípio literalmente
em prática, muitos anos antes de Francisco de Assis. Separou uma quantia para a
sua esposa e colocou suas filhas em um convento de freiras, com uma doação
suficiente para toda a vida delas. Em seguida, doou todos os seus bens aos
pobres e começou a pregar o arrependimento nas ruas[4].
Passou a ser um
ardente leitor e seguidor das Escrituras, tendo escrito uma tradução em língua
vulgar, para levar a Palavra de Deus ao acesso do povo mais simples – algo que
a Igreja proibia terminantemente. Empolgado, Valdo foi a Roma tratar com o papa
Alexandre III (1159-1181), que, em vez de se animar com este exemplo de espírito
cristão em sua época, lhe proibiu de continuar pregando, pois não era
sacerdote. Naquela época, a Igreja restringia o direito de pregação
exclusivamente ao clero[5]. Valdo não era do clero,
então não importava o quão devoto fosse – teria que calar a boca ou seria
perseguido até a morte, juntamente com seus seguidores.
Porém, como diz
Walker, “abandonar a pregação era impensável, pois
os valdenses viam na recusa de seu direito para pregar, a voz do homem contra a
de Deus”[6]. Os
valdenses, portanto, não se deixaram intimidar e continuaram a pregar as boas
novas do evangelho e a mensagem do arrependimento, tal como João Batista e os
primeiros cristãos. O papa ficou furioso. Quando soube que Valdo e seus
seguidores não cessaram de pregar, excomungou todos eles em 1182, e os expulsou
da cidade de Lyon.
Mesmo excomungados e
expulsos da cidade, eles não deixaram de pregar a Palavra de Deus aos quatro
cantos da terra. Diferentemente do clero católico, tinham uma conduta exemplar.
Malucelli nos diz que “a conduta dos valdenses era irrepreensível: eram
trabalhadores operários e humildes, vestiam-se de forma simples, esquivavam-se
dos ataques de raiva e evitavam as formas de prazer terreno, como a dança ou a
reunião em tabernas”[7].
Baigent declara que eles exaltavam “a pobreza, a
simplicidade e outras virtudes cristãs tradicionais”[8].
Bastos diz que eles “elogiavam a pobreza e
mostravam-se eles próprios como muito pobres”[9].
Os seguidores de Pedro Valdo vagavam pelas estradas dois a dois, tal como os
discípulos nos evangelhos, em pobreza apostólica, vestidos com simples
buréis, pregando o arrependimento[10].
O cronista católico Gautiero
Map, que participou do Concílio de Latrão de 1179, descreveu os valdenses da
seguinte maneira:
Não possuem casa própria, caminhando em pares, com os pés
descalços, sem provisões; possuem tudo em comum, a exemplo dos apóstolos, e
seguem desnudos a Cristo desnudo.[11]
Neste aspecto, os
valdenses se assemelhavam muito aos cátaros, como assinala Julián Vara:
A motivação última das ditas heresias
faria enquadrá-la nos anseios de reforma que se pedia para o clero, em suas
formas de vida e em seus costumes, ao que se solicitava uma volta aos ideais da
primitiva vida evangélica, para o que a regeneração e purificação da Igreja
eram prioritárias. Em definitivo, valdenses e cátaros ou albigenses, como
também são conhecidos, não trataram de subverter a ordem social imperante,
ainda que entre eles não faltassem fanáticos exaltados, mas pretendiam viver um
Cristianismo fundado no retorno à primitiva Igreja apostólica. Todos eles
denunciavam a riqueza de um episcopado que, recrutado entre os membros da
nobreza, não exercia suas funções religiosas adequadamente; a insuportável
ignorância de um clero empobrecido, ou a riqueza dos monges cluniacenses, primeiro,
e dos cistercienses, depois.[12]
No espectro teológico, contudo,
a diferença entre valdenses e cátaros era abismal. Enquanto os cátaros se
assemelhavam aos maniqueus, os valdenses se aproximavam muito daquilo que mais
tarde seria conhecido como Protestantismo. Diferentemente dos cátaros, criam em
toda a Bíblia (Antigo e Novo Testamento), rejeitavam a reencarnação, não eram
dualistas e não tinham nada contra a procriação. Walker acertadamente diz que “os valdenses se
opuseram fortemente aos cátaros e corretamente se consideravam como bastante
diferentes deles”[13].
Os valdenses foram
ainda o primeiro grupo ocidental a rejeitar as inovações doutrinárias trazidas
pela Igreja Romana. Eles “rejeitavam as missas e as
orações pelos mortos como não bíblicas, e negavam o purgatório... rejeitavam
absolutamente juramentos, mentiras e a pena de morte por crime ou heresia”[14].
De acordo com Falbel, eles negavam ainda as missas de sufrágio, o culto aos
santos e às imagens, as indulgências e o serviço militar, admitindo como sacramento
apenas o batismo, a eucaristia e a penitência[15]. Diferentemente dos
católicos, permitiam a pregação de mulheres[16].
Foram severamente
perseguidos por rejeitarem essas inovações teológicas e principalmente por
denunciarem o mundanismo na Igreja e por traduzirem as Escrituras para a língua
do povo – o pior dos pecados da época (retomaremos este tema no capítulo 6
deste livro). Baigent escreve que eles “desafiaram
a hierarquia, ousando produzir cópias
de textos das Escrituras em línguas e dialetos regionais. Isso bastou para
fazê-los ser estigmatizados como uma heresia”[17].
Pelo crime de traduzir as Escrituras para o povo ler e pela petulância de negar
certas doutrinas papistas, os valdenses foram arduamente caçados como animais
por séculos, bastando para isso a leitura do que o Concílio de Tolosa (1229)
prescrevia contra eles:
Proibimos os leigos de possuírem o
Velho e o Novo Testamento... Proibimos ainda mais severamente que estes livros
sejam possuídos no vernáculo popular. As casas, os mais humildes lugares de
esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de homens condenados por possuírem
as Escrituras devem ser inteiramente destruídos. Tais homens devem ser
perseguidos e caçados nas florestas e cavernas, e qualquer que os abrigar será
severamente punido.
Perseguidos e caçados nas
florestas e cavernas, os valdenses foram exterminados pela Igreja assassina.
Poucos deles sobreviveram ao período de terror até a Reforma. Bastos informa
que “os valdenses foram atacados com bastante
violência. Acabaram massacrados e poucos conseguiram escapar”[18].
Por sorte, alguns “conseguiram manter-se nos vales
alpinos ocidentais”[19],
afastados do resto da sociedade e escondidos da Igreja sedenta de sangue.
Atravessando séculos de trevas, a Igreja Evangélica Valdense permanece
existindo até hoje. Em 1975, contava com 35.000 membros na Itália e outros
15.000 no Uruguai, agora finalmente livres de todo rastro de perseguição papal.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
- Extraído do meu livro: "A Lenda Branca da Inquisição".
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)
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- Desvendando a Lenda (Refutando a imortalidade da alma)
- Ateísmo Refutado (Evidências da existência de Deus e veracidade da Bíblia)
- Fim da Fraude (Refutando as mentiras dos apologistas católicos)
[2]
Disponível online em: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Champion_des_dames_Vaudoises.JPG
[3]
Disponível em: http://www.montrealgazette.com/news/illustration+from+Tinctor+Invectives+against+Sect+Waldensians+Witches+from+copy+National+Library+France+This+earliest+known+visual+depictions+witches+broomsticks+Sadly+copy+University+Alberta+library+while+same+vintage+illustrated/7455590/story.html
[4] WALKER, Wiliston.
História da Igreja Cristã. 3ª ed. São
Paulo: ASTE, 2006, p. 355.
[5]
ibid.
[6]
ibid, p. 356.
[7] MALUCELLI,
Laura; FO, Jacopo; TOMAT Sergio. O livro
negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2007.
[8] BAIGENT,
Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição.
Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 62-63.
[9] BASTOS,
Plínio. História do Mundo - Da
pré-história aos nossos dias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Império, 1983,
p. 96.
[10] FALBEL,
Nachman. Heresias Medievais. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1977, p. 61.
[11] GAUTIERO MAP,
De nugis curialium, Londres, Camden
Society, T. Wright, pp. 64-65.
[12] VARA,
Julián Donado; ARSUAGA, Ana Echevarría. La
Edad Media: Siglos V-XII. 1ª ed. Madrid: Editorial universitaria Ramón
Areces, 2010, p. 265.
[13] WALKER,
Wiliston. História da Igreja Cristã.
3ª ed. São Paulo: ASTE, 2006, p. 357.
[14]
ibid.
[15] FALBEL,
Nachman. Heresias Medievais. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1977, p. 62.
[16] Moreland,
The History of the Evangelical Churches
of the Valleys of the Piedmont, 1658, pág. 75.
[17] BAIGENT,
Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição.
Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 63.
[18] BASTOS,
Plínio. História do Mundo - Da
pré-história aos nossos dias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Império, 1983,
p. 96.
[19] VALENTIN,
Veit. História Universal – Tomo II.
6ª ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1961, p. 61.
Saudações, quanto mais leio, mais fico abismado e olha que como você diz, tem muito mais por ai
ResponderExcluirRicardo soares
O principal ainda está por vir. Estes artigos que eu estou postando nos últimos dias são apenas uma introdução ao tema.
ExcluirAbs!
O Olavo de Carvalho, que admiro quando aborda determinadas pautas ideológicas, deve estar precisando de "audiência". Todas as vezes que a página dele se encontra fria, ele decide relembrar seus ataques aos protestantes. Depois dá uma passada lá para você ver.
ResponderExcluirRafael
Eu acabei de responder sobre isso a uma outra pessoa que me falou a este respeito. Reproduzo abaixo a minha resposta de lá:
ExcluirOlavo de Carvalho se tornou um velho boçal, cretino e picareta. Não adianta ir lá na página dele refutar as sandices que ele posta, porque ele vai bloquear da mesma forma que bloqueoou o Vitor Barreto quando ele começou a atacar os protestantes há tempos atrás. O Vitor, profundo conhecedor de história e filosofia, refutou todas as cretinices que o velho astrólogo sem caráter postava e foi bloqueado sem receber qualquer tipo de refutação. Alguns prints eu postei no artigo abaixo, outros estão com ele:
http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/09/vinte-sinais-de-que-voce-esta-em.html
O Vitor também refutou o velhaco nestes outros dois artigos publicados pelo Bereianos:
http://bereianos.blogspot.com.br/2015/09/a-genese-da-revolucao-civil-uma.html
http://bereianos.blogspot.com.br/2015/10/a-genese-da-revolucao-civil-uma.html
Aqui neste blog tinha uma época em que eu refutava rotineiramente o charlatão, até que eu me cansei e fiquei um bom tempo sem escrever nada a respeito. Algumas refutações você pode conferir em:
http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/04/a-igreja-catolica-contra-o-capitalismo.html
http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/09/olavo-de-carvalho-excomunga-o-papa.html
http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/05/o-que-podemos-aprender-com-o-fight.html
http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/09/os-protestantes-odeiam-virgem-maria.html
http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/09/vinte-sinais-de-que-voce-esta-em.html
O Elisson Freire recentemente também lhe deu uma bela de uma refutação sobre a sua mentirada a respeito das indulgências:
http://www.resistenciaapologetica.com/2016/02/olavo-de-carvalho-e-seus-palpites-sobre-lutero-e-a-venda-de-indulgencias.html
Cabe ressaltar que o objetivo deste blog não é vasculhar o facebook dos outros para refutar cada besteira que dizem contra a fé evangélica. Eu mesmo já não entrava na página desse vigarista há muito tempo, e desgraçadamente fui obrigado a visitar agora que você me passou o link. Há milhares de críticos do protestantismo difamando a nossa religião todos os dias, e se eu tivesse que me preocupar com cada asneira que falam teria que escrever milhares de artigos por dia. Em vez disso, prefiro escrever um livro inteiro sobre a Inquisição e refutar todas as mentiras da apologética católica de uma vez só. O livro já está sendo produzido e será postado aqui tão logo for concluído.
Essa Igreja Valdense é correta na doutrina então?
ResponderExcluirNão perfeita, mas correta sim.
ExcluirAinda existe uma igreja valdense?
ExcluirSim, mas só na Itália ou no Uruguai, você não vai encontrar uma aqui no Brasil, infelizmente.
ExcluirNão sou conhecedor profundo dos ditos "pais da igreja", passo longe disso. rsrsr
ResponderExcluirMas, eu percebo que eles não estavam em acordo com algumas doutrinas, o que me faz ter uma questão em minha mente: Por que, eles que estavam tão próximos dos apóstolos, tinham tantas "dúvidas" sobre doutrina? Por exemplo: A natureza de Cristo? Maria, qual seu papel? Batismo, qual era o correto? Fora outros questionamentos que haviam na época. A igreja era católica porque era unida universalmente não da forma de baboseiras que a ICAR fala. Aliás, a ICAR não é aquela igreja de Cristo inicial. Então, por quê tanta existiam tantas doutrinas a serem "validadas" no início? Desculpe-me com minha falta de conhecimento, mas, pelo fato de confiar em você, me ajude a entender.
O que ocorre na verdade é que nem todos os Pais estavam "tão próximos dos apóstolos". A maioria deles é do século IV em diante, ou seja, de trezentos anos depois da época em que Jesus e os apóstolos viveram, e não eram testemunhas oculares de nada, nem mesmo testemunhas de testemunhas. Os estudiosos bíblicos e não-bíblicos concordam que em geral uma mensagem original permanece "bem preservada" por até uma ou duas gerações, depois disso a tendência é sempre passar por acréscimos e modificações por parte daqueles que não tem ligação com a primeira geração. É como a brincadeira do "telefone sem fio": quem conta um conto aumenta um pouco. Eu escrevi sobre isso no meu livro "Em Defesa da Sola Scriptura".
ExcluirÉ por isso que a grande maioria das divergências entre os Pais da Igreja não era entre Pais que viveram na mesma época, mas sim entre Pais de épocas diferentes. Só para dar alguns exemplos rápidos: todos os primeiros Pais da Igreja, os que conviveram mais perto dos apóstolos, eram milenaristas, e todos os que viveram do século IV em diante adotaram o amilenismo. Os Pais do primeiro até meados do segundo século eram mortalistas e rejeitavam culto aos santos e intercessão de quem já morreu. Os que viveram depois tinham a tendência de aceitar essas coisas. Não há uma só menção ao batismo infantil nos primeiros 200 anos de Igreja (e há ainda Tertuliano e a Didaquê escrevendo contra), mas depois disso vários Pais começam a defender o batismo de bebês. Os Pais dos séculos I e II praticamente nem tocavam no nome de Maria e quando tocavam era por obrigação (em contextos que falavam de Cristo e mencionavam sua mãe apenas de passagem), e alguns Pais dos séculos seguintes começaram a ter uma obsessão pela mariologia.
E assim por diante. Os Pais que não conviveram perto da era apostólica tinham a tendência de revisar as doutrinas de seus antecessores, sem falar que alguns faziam conjecturas teológicas que mais tarde virariam "dogma" no ocidente. Os Pais mais antigos não estavam isentos de erro, mas eram certamente muito mais confiáveis em termos históricos. Enquanto os Pais dos séculos I e II estavam na condição de "testemunhas", os Pais dos séculos posteriores eram meramente exegetas, isto é, estavam na mesma condição em que nos encontramos hoje, limitando-se a fazer interpretação das Escrituras - e às vezes falhar.
Abs.
Lucas oq a Bíblia fala sobre honra?
ResponderExcluirEu ainda não tenho artigo sobre isso, mas recomendo estes aqui:
Excluirhttp://www.pregadoresdotelhado.org.br/estudos/honra-mt-2337
http://www.esbocosdesermoes.com/2012/04/resgatando-honra-em-nossa-geracao.html
Rapaz, li agora esse artigo e lembrei da frase: "Quanto mais mexe na merda mais fedor sobre!" Realmente é isso o que acontece com a história da igreja romanista, quanto mais se vasculha mais atrocidades podem ser vistas.
ResponderExcluirÉ exatamente assim. E isso que eu nem comecei a abordar a Inquisição em si...
ExcluirEste tópico foi Magnifico, Lucas!
ResponderExcluirVlw!
ExcluirLucas, provavelmente essa é uma pergunta que vc deve receber mto e agora vai ter que responder d novo rs
ResponderExcluirSe podemos interpretar a Bíblia por nós mesmos com a ajuda do Espírito Santo, pq muitas vezes precisamos nos aprofundar em apenas um versículo e pq existem tantas explicações diferentes sobre ele? Ou o Espírito Santo só nos auxilia naquilo que mais importa da Bíblia (a ressurreição de Cristo e como ser salvo)? Tenho muitas dúvidas teológicas e sempre que eu pesquiso acho teólogos diferentes explicando versões diferentes
Agradeço sua resposta desde já, abraços!
A falha humana na interpretação não é culpa do Espírito Santo, é culpa do homem. Deus nunca prometeu que os seres humanos interpretariam tudo infalivelmente. Quem criou este mito foi justamente a Igreja Católica para dizer que o papa não pode errar em matéria de fé. Quando, na verdade, todos podem errar, porque todos são humanos, falíveis e pecadores.
ExcluirPor que há diferentes interpretações? Algumas respostas que eu sugiro:
1) Porque certas pessoas não interpretam somente aquilo que está na Bíblia, mas tem como regra de fé materiais extrabíblicos. Por exemplo, os católicos que tem como regra de fé o catecismo católico (que é bem conhecido por inventar doutrinas ex nihilo) irão naturalmente deturpar os versos bíblicos que nada falam sobre purgatório para encaixá-lo ali, simplesmente porque sua outra regra de fé (o catecismo) diz que aqueles versículos "provam" o purgatório. Quando, se a única regra de fé deles fosse a Bíblia, nenhum deles em sanidade mental interpretaria aqueles textos como se referindo a este local fantasioso.
2) Porque MUITA gente condiciona a interpretação das Escrituras a outras coisas fora das Escrituras. E aqui está o maior câncer das igrejas evangélicas e das demais não-católicas. Testemunhas de Jeová condicionam a interpretação da Bíblia aos escritos de Charles Russell, mórmons condicionam a Joseph Smith, adventistas condicionam a Ellen White, neopentecostais condicionam a Kenneth Hagin, presbiterianos (e calvinistas em geral) condicionam a Calvino, luteranos condicionam a Lutero, pentecostais condicionam aos pastores da grande mídia, e assim por diante. Sem falar daqueles que condicionam a concílios, credos, confissões de fé, tradições humanas, e assim por diante. Na teoria dizem "Sola Scriptura", mas na prática quase ninguém a segue. Em vez disso, buscam em algo ou em alguém o condicionamento prévio que irá determinar a sua interpretação da Bíblia. Ou seja, eles não interpretam de mente aberta, sem nenhuma inclinação a priori para nenhum lado, mas já tem o seu lado escolhido antes mesmo de fazer a interpretação, o que torna a interpretação necessariamente tendenciosa e influencia negativamente no resultado final.
3) Ainda pode-se mencionar outros fatores (mais tradicionais) que influenciam numa má interpretação: quando alguém usa apenas uma versão vernácula para fazer uma exegese e o texto grego diz algo diferente; quando alguém não se cuida pelo contexto; quando alguém despreza o que a História afirma a este respeito (em especial os primeiros Pais da Igreja); quando alguém não leva em consideração o contexto cultural da época; quando incorre em anacronismo; quando não compreende metáforas, parábolas ou alegorias e as toma como literal; quando ignoram se um texto é ou não é normativo; quando descuidam da lógica, etc. Eu aprofundo sobre cada um destes conceitos em meu livro "Exegese de Textos Difíceis da Bíblia", que você pode baixar em algum destes três links:
https://mega.nz/#!304H3azB!GjQ4EuPcPsPNKeroOV4a3BytwIpGuSEy5MiebaIJ2e8
http://www.mediafire.com/download/aa8fmvvss4cpyi0/Exegese+de+Textos+Difíceis+da+Bíblia.pdf
http://www.4shared.com/office/ZV-VRCo0ba/Exegese_de_Textos_Difceis_da_B.html?
Abs!