O Apocalipse e o tormento eterno - Parte 1

Nestas últimas semanas, tenho escrito vários artigos sobre o inferno, mais do que o natural. Como, porém, algumas pessoas me pediram para explicar alguns textos apocalípticos que supostamente pregariam o tormento eterno no lago de fogo, vou fazer algumas considerações sobre estes textos. 

Antes, porém, recomendo a todos a leitura dos meus outros artigos sobre o tema, que também são de fundamental importância para a compreensão dos demais, pois muitas pessoas me escrevem sobre textos bíblicos que já foram explanados e compreendidos. Portanto, recomendo a todos a leitura dos artigos: 



E também o artigo do Dr. Samuele Bacchiocchi sobre o mesmo tema: 


Existem vários outros artigos de minha autoria sobre o tema do inferno e que são relacionados a estes; porém, vou passar apenas a leitura destes três artigos como sendo um “material básico” para aprender sobre a crença bíblica do aniquilacionismo e compreender as refutações completas a todas as [quase meia dúzia de] passagens utilizadas pelos imortalistas para o “tormento eterno” que eles creem. Quem quiser se aprofundar mais no tema, recomendo a leitura de meu livro – “A Lenda da Imortalidade da Alma” – onde eu dedico um capítulo inteiro apenas a comentar sobre o tema do “inferno e os acontecimentos finais”. 

Sobre este presente artigo que visa apenas responder as questões apocalípticas neste meio, basicamente existem duas passagens em Apocalipse que são utilizadas pelos imortalistas. O primeiro é esse: 

“E seguiu-os o terceiro anjo, dizendo com grande voz: Se alguém adorar a besta, e a sua imagem, e receber o sinal na sua testa, ou na sua mão, também este beberá do vinho da ira de Deus, que se deitou, não misturado, no cálice da sua ira; e será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e diante do Cordeiro. E a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre; e não têm repouso nem de dia nem de noite os que adoram a besta e a sua imagem, e aquele que receber o sinal do seu nome (Apocalipse 14:9-11) 

Nestes versos, existem três coisas que poderiam nos passar essa ideia. São elas: 

“...e será atormentado com fogo e enxofre” (v.10) 

Este texto diz apenas que serão atormentados, não diz que o tormento será sem fim como em um processo infindável. Eu não creio que Deus irá deixar os ímpios sem punição, mas creio que esse castigo será respectivo e proporcional aos pecados de cada um, e não eterno a todos indiscriminadamente. Foi por isso que o próprio Senhor Jesus disse: 

“Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o realiza, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos açoites (Lucas 12:47-48) 

Cada um será castigo com o tanto proporcional aos seus pecados. Os justos herdarão a vida eterna por graça através da fé, e não por merecimento. Os ímpios, contudo, que não alcançaram a graça, serão castigos por aquilo que mereceram. É por isso que uns levam “muitos açoites”, enquanto outros levam apenas “poucos açoites”. Note que ninguém é castigo com “infinitos açoites”. Logicamente, o eterno não pode ser considerado “pouco”.  

Sendo assim, o castigo aos pecadores é bíblico. O que não é bíblico é o horror que é pregado por aí de um tormento eterno, de um inferno eterno, de um fogo sem fim. Nas descrições bíblicas de “fogo eterno” já vimos que é “eterno” pelos efeitos, e não pelo processo. O processo, naturalmente, tinha um fim completo de existência (clique aqui para ler mais sobre isso). 

Foi assim com Sodoma e Gomorra (Jd 7), foi assim com os palácios de Jerusalém (Je.17:27), foi assim com os ribeiros de Edom (Is.34:9,10), foi assim com a floresta do Neguebe (Ez.20:47,48). Em todos esses casos, o fogo “eterno” é uma descrição do efeito e não do processo, pois o processo tem um fim repentino. Portanto, sim, os ímpios serão atormentados, mas não: não será eternamente pelo processo, mas pelos efeitos irreversíveis de sua destruição final e completa.

“...e a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre” (v.11) 

Curiosamente, este texto fala da fumaça e não do fogo propriamente dito, e muito menos do tormento daqueles que lá estariam. Como os eruditos bíblicos anglicanos John Scott e David Edwards assinalam: 

“O fogo mesmo é chamado ‘eterno’ e ‘inextinguível’, mas seria muito estranho se aquilo que nele fosse jogado se demonstrasse indestrutível. Esperaríamos o oposto: seria consumido para sempre, não atormentado para sempre. Segue-se que é o fumo (evidência de que o fogo efetuou seu trabalho) que ‘sobe para todo o sempre’ (Ap.14:11)” [1] 

Novamente, vemos que este texto, como os demais, está ressaltando os efeitos da destruição, e não um processo eterno e sem fim de tormento. O que é eterno ou inextinguível não é o tormento dos ímpios, mas sim o fogo que nos casos de Sodoma e Gomorra causou a destruição completa e irreversível  das cidades e seus habitantes, condição esta que permanece para sempre. Apocalipse 14:11 não descreve um processo infinito, mas sim um ato cujos resultados serão permanentes, irreversíveis. 

Compare, por exemplo, Apocalipse 14:11, com Isaías 34:9-10. Ambos os textos tratam-se de condenações divinas e falam de uma “fumaça que sobe para todo sempre”, mas não há uma fumaça subindo literalmente, muito menos pessoas ímpias queimando literalmente para todo o sempre no meio deste fogo. Ambos os casos são apenas um retrato fiel a um aniquilacionismo completo, e não a um tormento sem fim.

“...e não tem repouso nem de dia nem de noite” (v.11) 

Essa frase (“não tem repouso”) tem sido interpretada como uma evidência para o tormento eterno. Porém, uma análise mais cuidadosa do texto desmente essa interpretação. Biblicamente, o “descanso” dos cristãos é o Paraíso celestial, como o próprio autor do Apocalipse, João, nos declara: 

E ouvi uma voz do céu, que me dizia: Escreve: Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas obras, e as suas obras os seguem” (Apocalipse 14:13) 

O autor de Hebreus faz o mesmo em Hebreus 9:10-11. Portanto, biblicamente o “descanso” do cristão é o descanso celestial. Sendo assim, a descrição apocalíptica acerca dos ímpios “não terem descanso” está no mesmo sentido expresso em Apocalipse 14:13 – do descanso das suas obras, a Jerusalém celestial. O ímpios não “terão descanso”, isto é, não descansarão das suas obras (Ap.14:13), precisamente porque as suas obras foram más.  

O texto bíblico está simplesmente refutando a crença na salvação universal (também conhecida como universalismo), que ensina que todos os ímpios terão por fim o descanso eterno do Paraíso, após sofrerem por certo tempo. Eles não terão esse descanso eterno do Paraíso nem de dia nem de noite. O texto, portanto, não está tratando do tormento eterno, mas sim de serem “eternamente banidos da face do senhor e da glória do seu poder” (1Ts.1:9). 

Concluo, portanto, que absolutamente nada em Apocalipse 14:9-11 constitui uma prova conclusiva a favor do tormento eterno dos ímpios.

-Continua na parte 2, não perca!


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Comentários

  1. Paz irmão Lucas,

    A passagem que fala dos "muitos" ou "poucos" açoites, ela não se refere aos servos? E assim sendo, poderia se aplicar aos também ao castigo dos ímpios? Estes também podem ser qualificados como servos? Não me parece coerente...

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    Respostas
    1. Oi, Jacob, a paz.

      Vejamos o contexto:

      "Mas suponham que esse servo diga a si mesmo: ‘Meu senhor se demora a voltar’, e então comece a bater nos servos e nas servas, a comer, a beber e a embriagar-se. O senhor daquele servo virá num dia em que ele não o espera e numa hora que não sabe, e o punirá severamente e lhe dará um lugar com os infiéis. Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o realiza, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos açoites. A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido" (Lucas 12:45-48)

      Veja pelo contexto que o “servo” a quem Jesus se refere é:

      a) Alguém que ESPANCA os outros servos.

      b) Alguém que VIVE EMBRIAGADO (Paulo diz que os bêbados irão para o inferno – ver 1ª Coríntios 6:10).

      c) Alguém que é pego DE SURPRESA na volta de Jesus. Paulo diz que nós, os salvos, não seremos pegos de surpresa (ver 1ª Tessalonicenses 5:4).

      d) Alguém que será PUNIDO SEVERAMENTE e que levará AÇOITES (a Bíblia diz que os salvos, ao contrário, receberão GALARDÃO – ver Apocalipse 22:12).

      e) Alguém que terá lugar com os INFIEIS (e a Bíblia sempre diz que os infiéis irão para o inferno).

      f) Alguém que NÃO faz o que Jesus deseja, nem o realiza (e como alguém pode ser salvo sem fazer a vontade de Deus?).

      Enfim, veja que TODO o contexto fala de uma pessoa ÍMPIA, de um condenado, e não de um salvo. É errado pegar apenas a palavra “servo” e identificar como um salvo, desprezando todo o resto (o contexto). A Bíblia chama até Nabucodonosor, um rei ímpio, de “servo” (Jeremias 27:6). Todos são “servos” de Deus, porque o significado de “servo” é de uma propriedade, e todos nós somos propriedades de Deus pois somos criação dEle. Então o texto dizer somente “servo” não implica necessariamente que é salvo. Se o texto dissesse que se trata de FILHOS de Deus, aí sim só poderia ser de pessoas salvas, pois nem todos são filhos aos olhos de Deus, mas todos são servos aos olhos dEle, até os ímpios que terão que demonstrar esta servidão no último dia, quando Paulo diz que “todo joelho se dobrará e toda língua confessará que sou Deus” (Rm.14:11).

      Grande abraço.

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    2. Obrigado irmão. Entendi. Mas o contexto parece indicar pessoas "crentes", ou pelo menos gente de igreja, joio no meio do trigo, concorda? ´Neste caso os poucos açoites seriam um indicativo de que este tipo de servo se salvaria ao final das contas, algo parecido com a interpretação católica do purgatório?

      Grande abraço.

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    3. O joio não representa pessoas salvas, representa ímpios, condenados. Eles podem estar dentro da igreja? Sim, podem. No sentido da igreja VISÍVEL podem, mas não no sentido da igreja INVISÍVEL. A igreja visível é cada denominação ou instituição religiosa que se diz cristã. É óbvio que muita gente que congrega nestes lugares não é salva, não é regenerada, vive no pecado e não está nem aí com Deus. Existe muita gente que congrega em igrejas e que até chega ao ponto de fazer milagres e exorcismos, e que Jesus dirá no último dia: "Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade, jamais vos conheci!" (Mt.7:23). Ou seja: são ÍMPIOS (não-salvos) dentro da igreja, refiro-me à igreja visível. Mas estes ímpios que estão na igreja visível NÃO FAZEM PARTE DA IGREJA INVISÍVEL, que é o corpo de Cristo, e o significado habitual de "Igreja" no Novo Testamento. A Igreja invisível, isto é, o corpo de Cristo, não tem nenhum ímpio, nenhum joio, nenhum não-salvo, e ela não se limita a placas ou a denominações em especial, ou a alguma que se sobressaia sobre as outras. O joio que Jesus falava NÃO é sobre salvos, é sobre condenados. São essas as pessoas que receberão os açoites.

      Veja que Jesus fala de dois tipos de pessoas que recebem os açoites:

      1) "Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o realiza". Estes são os que TEM CONHECIMENTO de Jesus, da Bíblia, da salvação, e mesmo assim não colocam isso em prática. Eles podem até estar congregando em igrejas visíveis, mas nunca fizeram parte da Igreja de Cristo, que é a igreja invisível, o Corpo de Cristo, a reunião de todos os salvos em todas as partes do mundo.

      2) "Aquele que não a conhece e pratica coisas merecedoras de castigo". Refere-se aqui àqueles que NÃO CONHECEM a verdade, ou seja, aqueles que nunca tiveram conhecimento de Jesus, nem da Bíblia, nem do Cristianismo, como vários povos no passado, incluindo os índios, e até alguns países no presente que vivem em terras distantes onde os missionários não chegam, pois há falta de liberdade (como é o caso da Coréia do Norte). Estas pessoas não conhecem a verdade, mas se praticarem coisas merecedores de castigo serão condenadas mesmo assim, mas MENOS do que aquelas que tinham conhecimento e fizeram as mesmas coisas erradas.

      Portanto existem quatro tipos de pessoas:

      1) Os que conhecem a verdade e a praticam (salvos).

      2) Os que não conhecem a verdade, mas a seguem pela lei moral (salvos).

      3) Os que conhecem a verdade, mas não a praticam (condenados severamente).

      4) Os que não conhecem a verdade, e não a seguem (condenados com uma pena menor).

      Abraços!

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    4. Obrigado irmão. Entendi, muito esclarecedor.

      Abraços!

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